UM OLHAR EPISTEMOLÓGICO PARA A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Greyze Maria Palaoro Deitos
Dulce Maria Strieder

Neste trabalho, com abordagem qualitativa, temos a intenção de despertar reflexões epistemológicas
acerca da construção histórica pela qual a experimentação se estabeleceu no ensino de ciências. Em virtude destas
observações, tem-se a intenção de estreitar a relação entre a epistemologia e ensino de Ciências, favorecendo um
olhar para a experimentação, pautado no questionamento, na dúvida e na busca por conhecimentos socialmente
construídos. Embora tenham ocorrido significativas reflexões perante o caráter volátil da experimentação no
Ensino de Ciências, percebe-se que estas ainda referendam uma atividade com traços marcantemente positivistas,
onde o rigor científico se sobrepõe aos aspectos reflexivos.

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Caderno Temático

UM OLHAR EPISTEMOLÓGICO PARA A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS

AN EPISTEMOLOGICAL LOOK AT EXPERIMENTATION IN SCIENCE TEACHING

UNA MIRADA EPISTEMOLÓGICA PARA LA EXPERIMENTACIÓN EN LA ENSEÑANZA DE CIENCIAS

Greyze Maria Palaoro Deitos
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Dulce Maria Strieder
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

UM OLHAR EPISTEMOLÓGICO PARA A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Olhar de Professor, vol. 21, núm. 2, 2018

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 10 Agosto 2018

Aprovação: 10 Novembro 2018

Resumo: Neste trabalho, com abordagem qualitativa, temos a intenção de despertar reflexões epistemológicas acerca da construção histórica pela qual a experimentação se estabeleceu no ensino de ciências. Em virtude destas observações, tem-se a intenção de estreitar a relação entre a epistemologia e ensino de Ciências, favorecendo um olhar para a experimentação, pautado no questionamento, na dúvida e na busca por conhecimentos socialmente construídos. Embora tenham ocorrido significativas reflexões perante o caráter volátil da experimentação no Ensino de Ciências, percebe-se que estas ainda referendam uma atividade com traços marcantemente positivistas, onde o rigor científico se sobrepõe aos aspectos reflexivos.

Palavras-chave: Epistemologia, Experimentação, Ensino de Ciências.

Abstract: This study deals with a qualitative approach, and we aim to awakening epistemological reflections about the historical construction by which experimentation was established in sciences teaching. Thus, due to these observations, we intend to strengthen the relationship between epistemology and Science teaching favoring a look at experimentation, based on questioning, doubt and the search for socially constructed knowledge. Although significant reflections have occurred in the face of the volatile character of experimentation in Science Teaching, we can see that they still refer to an activity with strong positivistic features, in which scientific rigor overlaps with reflective aspects.

Keywords: Epistemology, Experimentation, Science teaching.

Resumen: En este trabajo, con abordaje cualitativo, tenemos la intención de despertar reflexiones epistemológicas acerca de la construcción histórica sobre la que se estableció la experimentación en la enseñanza de las ciencias. En virtud de estas observaciones, se tiene la intención de estrechar la relación entre la epistemología y la enseñanza de las ciencias, favoreciendo una mirada hacia la experimentación basada en el cuestionamiento, en la duda, y en la búsqueda de conocimientos socialmente construidos. A pesar de haberse producido significativas reflexiones sobre el carácter volátil de la experimentación en la Enseñanza de Ciencias, se percibe que éstas todavía se refieren a una actividad con rasgos marcadamente positivistas, donde el rigor científico se superpone a los aspectos reflexivos.

Palabras clave: Epistemología, Experimentación, Enseñanza de Ciencias.

Introdução

Um grande acervo bibliográfico infere sobre a evolução da produção dos conhecimentos do Ensino das Ciências, que tem sido construídos e (re)construídos. Andery et al. (2014), Braga, Guerra e Reis (2010), Nardi (2013), Cachapuz et al. (2011) e Souza Santos (2008) estão neste vasto acervo anteriormente citado, tendo como objetivo clarificar as questões relativas ao Ensino das Ciências, em diferentes épocas e sua relevância no fazer pedagógico, no período em que se estabeleceram até os dias de hoje.

Falar do Ensino de Ciências sem abordar o tema da experimentação e do uso do laboratório parece ser um tanto incoerente. No entanto, o cotidiano escolar se estabelece com um ensino de Ciências livresco, voltado à transmissão do conhecimento norteado por assimilação de conceitos, leis e fórmulas. Barberá e Valdés (1996, p. 365) apontam que “[...] sem dúvida, o trabalho prático e em particular a atividade de laboratório constitui um feito diferencial próprio do ensino de ciências.” Em consonância com os autores citados, a maioria dos professores afirma ser imprescindível o uso da experimentação para uma boa aprendizagem dos conteúdos pertinentes à disciplina, conforme pode ser visto, sob diferentes enfoques, em Hodson (1994), Giordan (1999), Arruda e Laburú (2009), Moraes (2011), Cachapuz et al. (2011), Camillo e Mattos (2014).

Embora sejam unânimes a respeito da importância de aulas experimentais, os objetivos destas divergem bastante e são influenciados diretamente pela concepção de Ciência adotada. Camillo e Mattos, (2014, p. 125) reforçam que “[...] apesar da grande importância atribuída à atividade experimental, está longe de existir um consenso entre professores e pesquisadores acerca da sua utilização, seus objetivos e métodos.” Assim sendo, os professores, embora acreditem na efetividade da experimentação no ensino de ciências, são afetados diretamente por concepções equivocadas de Ciência, que perpassam os séculos e se estabelecem na práxis do professor de maneira naturalizada.

É dentro desta perspectiva que a epistemologia vislumbra esclarecer elementos que interferem diretamente na experimentação, enquanto auxiliar no processo de produção do conhecimento. Vale ressaltar, segundo Bruyne (1982, p. 41) sobre a influência da epistemologia e “[...] estabelece condições de objetividade dos conhecimentos científicos, dos modos de observação e de experimentação, examina igualmente as relações que as ciências estabelecem entre as teorias e os fatos.” Assim implementa uma relação divergente da costumeira dicotomia entre teoria e prática.

Diante disso, esse ensaio tem como objetivo despertar reflexões epistemológicas acerca da construção histórica pela qual a experimentação se estabeleceu no ensino de ciências. Desta forma, uma revisão bibliográfica acerca do ensino de Ciências e da experimentação foi realizada, situando suas características e mudanças históricas.

O ensino de Ciências

Na tentativa de compreender as primeiras formas de descrever a Ciência, convém citar, de maneira sucinta, a busca pela necessidade de sanar inquietações relativas aos fenômenos naturais, que não possuíam explicações racionais em determinada época. À vista disso, segundo Andery et al. (2014), os homens se utilizavam do mito para explicar fenômenos naturais que a razão não dava conta de compreender. O mito decorre, segundo Chauí (2000, p. 32), de “[...] um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa.” Os mitos oriundos da cultura grega, até hoje citados, inferem sobre como o conhecimento decorre das necessidades de clarificar questionamentos, ou seja, resolver problemas. Podemos citar Centauro, Minotauro, Medusa, dentre tantos outros seres mitológicos, comuns àquela época histórica. Andery et al. (2014, p. 20) defendem que o mito:

[...] apresenta uma espécie de comunicação de um sentimento coletivo; é transmitido por gerações como forma de explicar o mundo, explicação que não é objeto de discussão, ao contrário, ela une e canaliza as emoções coletivas, tranquilizando o homem num mundo que o ameaça.

Essas explicações fortuitas não necessitavam de comprovação dos conhecimentos utilizados para elucidar os fenômenos naturais que fomentavam inquietações. Severino (2007) evidenciou esses aspectos conceituais numa analogia com a Metafísica, que admite a razão humana, sem questionamentos, como capaz de apreender as essências de todos os seres e situações. Porém, quando a hesitação torna a permear o cotidiano dos indivíduos, faz-se necessário justificar a teoria com maior número de argumentos, com o propósito de satisfazer as indagações populares na busca por esclarecimentos. Pode-se dizer ainda em Andery et al. que (2014, p. 13), “[...] a ciência caracteriza-se por ser a tentativa do homem de entender e explicar racionalmente a natureza, buscando formular leis que, em última instância, permeiam a atuação humana.” E é mediante a esta incessante busca pelo conhecimento fidedigno que a Ciência progride entre reflexões, rupturas e manutenção de produção científica.

Grande parte desses conhecimentos produzidos pela Ciência é acrescido à cultura da sociedade. Uma das formas mais utilizada para a disseminação de tais conhecimentos a uma comunidade iniciou-se por meio da oralidade entre seus pares, e hoje a escola assume esse papel, conjuntamente com o convívio social e familiar. A educação tradicional foi, durante muito tempo, e por vezes ainda o é, a forma de transmissão dos conhecimentos produzidos pela Ciência, na qual cabe ao aluno a responsabilidade de ouvir, decorar e reproduzir conceitos e teorias.

Relegados a um ensino conteudista os conhecimentos elaborados eram abordados de maneira demasiadamente formal. Waldhelm (2007, p. 32) informa que “[...] o ensino de Ciências permaneceu bastante formal, ainda baseado no ensino de definições, deduções, equações e em experimentos cujos resultados são previamente conhecidos.” Os problemas filosóficos não eram considerados importantes para as questões da Ciência, desta forma, não faziam parte da construção do conhecimento científico, e por assim dizer, do ensino de Ciências. Chauí (2000, p. 96) afirma que para “Kant, a estrutura da razão é a priori (vem antes da experiência e não depende dela).” Esse caráter racionalista, donde a razão é provedora de todo conhecimento, é abordado por Hessen (1980) que afirma ser o conhecimento matemático, o mais evidente modelo para representar a Ciência.

Indubitavelmente ocorreram novas formas de compreender os conteúdos científicos bem como seu modo de produção, daí a necessidade de novas reflexões e mudanças epistemológicas na busca por método(s) científico(s) que produzisse(m) conhecimento verdadeiro, embora a verdade seja amplamente questionada por filósofos como Chauí (2000). Também nessa vertente, renovações ocorreram para potencializar o ensino de Ciências. Por esse viés, ocorreram rupturas nos conhecimentos científicos já existentes, em consonância com novas pesquisas, observações mais apuradas, que mostravam falhas e equívocos conceituais, possibilitando a proposição de novas teorias.

Piaget e Garcia (1989) apud Borges (2007, p. 76) assemelham as mudanças de paradigma com o desenvolvimento cognitivo das crianças.

[...] as mudanças de paradigma identificadas na História das Ciências assemelham-se ao que acontece na psicogênese das crianças, onde os desequilíbrios e conflitos cognitivos possibilitam alcançar e construir outros níveis de organização, possibilitando reestruturar conhecimentos antigos e incorporar os novos.

Como estes autores, outros também apresentaram seus estudos sobre o desenvolvimento do conhecimento científico e das Ciências. E, como citam Piaget e Garcia (1989) apud Borges (2007), as mudanças ocorrem motivadas por conflitos epistemológicos e de paradigma, que não respondem mais adequadamente às novas configurações sociais, históricas e de desenvolvimento. Desta forma,

[...] os questionamentos filosóficos orientam diversos trabalhos e fizeram com que muitos daqueles personagens se preocupassem em pensar e escrever sobre o melhor caminho para realizar o estudo da natureza. Muitas teorias então construídas foram contestadas ao longo da história. Mas também inúmeras conclusões permanecem válidas até hoje. (BRAGA; GUERRA; REIS, 2010, p. 107).

As diferentes maneiras de se conceber a construção do conhecimento científico, e sua relação com a evolução da sociedade, afetam diretamente o contexto escolar, uma vez que o professor do ensino de Ciências é formado mediante uma concepção de Ciência vigente. Assim, fica clara a influência das concepções de produção do conhecimento científico no ensino de Ciências que atua diretamente no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos elaborados culturalmente. Da mesma maneira, a experimentação está diretamente articulada às concepções de Ciência assumidas pela comunidade científica e educadores.

O papel da experimentação no ensino de Ciências

A experimentação no ensino de ciências, enquanto processo de descoberta, se intensificou após o lançamento do satélite Sputink pela antiga União Soviética, com o propósito de formar novos cientistas capazes de contribuir com o avanço tecnológico tão almejado pelos Estados Unidos e nações aliadas. (KRASILCHIK 2000). Oriundo desta reflexão, a produção do conhecimento possuía aporte no objeto da investigação, sendo mediado pela experimentação, excluindo a influência do sujeito enquanto participante desta relação.

A epistemologia empírica, referendada por Hessen (1980), admite-se enquanto antítese ao racionalismo, que concebe o conhecimento advindo da razão humana. Já no empirismo “[...] a única fonte do conhecimento humano é a experiência.” (HESSEN, 1980, p. 68). Impreterivelmente a Metafísica e, mais profundamente, o racionalismo perdiam espaço, pois suas teorias não eram passíveis de comprovação como previa esta nova maneira de concebera Ciência.

No campo das ciências empíricas, desenvolveu-se uma concepção da construção dos conhecimentos científicos fundada no positivismo. A peculiaridade do positivismo caracteriza-se pelas seguintes ideias: o empirismo (o conhecimento parte da realidade de acordo com o modo como os sentidos o percebem, ajustando-se a ela), a objetividade (o objeto de estudo não deve sofrer influência ou intervenção do pesquisador), a experimentação, a validade (mensuração com precisão) e as leis e previsões. (MARSULO; SILVA, 2005, p. 3).

De acordo com esta perspectiva, o cientista é visto como uma pessoa que possui capacidade cognitiva diferenciada da maioria da população e, segundo Espinosa (2010), o experimento realizado pelos cientistas ocupa um lugar supremo, sem questionamento quanto a sua veracidade, pois os passos exigidos pela Ciência foram cumpridos e comprovados experimentalmente.

Os alunos, segundo esse pensamento, são considerados “minicientistas”, e devem realizar os experimentos da mesma forma que os cientistas o faziam. Nesta proposta, a experimentação tem fim em si mesma, pois não oferece investigação e apenas repetição de ações executadas pelos cientistas, indo ao encontro do que os empiristas acreditam. Assim descreve Hessen (1980), que o sujeito apreende o objeto sem interferências demodo a preservar a veracidade do conhecimento. Se opondo a esse entendimento, Cachapuz et al. (2011) relatam que esta maneira de realizar a experimentação, como atividade científica, se apresenta de maneira formal, sem necessidade de compreensão de como se chegou a determinado conceito ou lei, mas apenas se reproduz. Utilizando-se deste pensamento, muitos estudantes não voltavam suas expectativas para o Ensino de Ciências, por parecer algo considerado supremo, direcionado para pessoas com capacidade intelectual acima da normalidade.

Este modelo de ensino criou nas escolas “o mito do método científico” como o único método capaz de contribuir efetivamente para a construção do conhecimento [...] Este ideário faz parte de um senso comum disseminado que sustenta a concepção de imitações ingênuas da investigação científica na prática pedagógica, ou seja, seguindo o “método científico” se obtém resultados análogos ao dos cientistas. (MARSULO; SILVA, 2005, p. 2).

O papel do professor, na perspectiva empirista, restringe-se a instrumentalizar os alunos, pois o desenvolvimento da experimentação e a aquisição do conhecimento estariam sob a responsabilidade do aluno por intermédio das reproduções fiéis das práticas dos cientistas. Contrapondo-se a esse entendimento, Espinosa (2010, p. 86-87) diz que: “[...] o experimento interfere, porém não ‘fala’ por si só. Quem fala é o pesquisador que observa e vê de maneira coerente ou consistente com o conhecimento de uma época.” O uso da repetição não garante o aprendizado do aluno, pois esse realizou etapas pré-estabelecidas de um processo já identificado. Portanto, não há questionamentos, elaboração de hipóteses, investigação, e assim, não ocorre a produção do conhecimento de maneira significativa.

Rosito (2011, p. 156) contraria este método didático empirista e sua fala nos faz perceber que “[...] não se pode aprender ciências por meio de atividades experimentais do tipo receita ou por um roteiro que apresenta sequência ordenada de atividades que possam ser aplicadas indistintamente a qualquer tipo de situação.” A experimentação deve partir de uma atividade reflexiva perante o que vem sendo observado, pois a repetição não desenvolve estruturas mentais na busca de uma solução.

Neste processo, é omitido todo o encaminhamento que os cientistas percorreram para chegarem a determinadas teorias. Como dito anteriormente, os alunos são levados a acreditar que a Ciência é destinada para alguns, com capacidade intelectual superior, que em um momento de insight elaboram leis científicas. Um exemplo divulgado constantemente pela rede midiática e até livros didáticos é o consagrado caso da maçã que cai na cabeça de Isaac Newton, que, segundo relatos ingênuos, instintivamente criou a Lei da Gravitação.

O método científico, ao ser questionado, passa a ser denunciado em seu viés de atividade isolada, padronizada; seu caráter instrumental-tecnicista; em seu caráter de exclusão; em sua pretensa neutralidade político-ideológica; em sua importância na elaboração de conceitos; em sua influência na organização das aprendizagens concebidas como ato de repetição e certezas, bem como na influência exercida na construção de programas de ensino prescritivos, técnicos e mecanizados. (MARSULO; SILVA, 2005, p. 4).

Assim, os questionamentos quanto ao método empirista-indutivista começam a se tornar corriqueiros, e novas abordagens quanto à experimentação começam a se estabelecer. Chauí (2000, p. 83) faz uma eficaz relação entre as deduções anteriormente empregadas na experimentação com a indução tida agora como modelo metodológico dizendo que:

De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais que empregamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade de um conhecimento já adquirido.

Embora tidas como atividades indutivistas, uma das questões levantadas frequentemente era referente à participação passiva dos alunos durante os experimentos. O aluno apenas realizava tarefas já organizadas e chegava a um resultado denominado de ‘correto’ para tal experimento. Para Espinosa (2010, p. 84), “[...] não basta propor experimentos: a maneira de apresentar a proposta, as perguntas formuladas e as discussões e reflexões poderão constituir recursos eficazes para o ensino.” Assim, tira-se o aluno da passividade e leva-o para ser ativo do próprio experimento, quando se estabelecem relações e reflexões que auxiliarão na construção de um novo conhecimento, ou na (re)elaboração de um conhecimento prévio.

Outro problema levantado foi o de conceber os alunos como ‘tábulas rasas’, que chegam à experimentação sem concepções prévias sobre determinado assunto. Henssen (1980, p. 68) corrobora com esse pensamento dizendo que para os empiristas “O espírito humano está por natureza vazio... uma folha em branco onde a experiência escreve”. Ressaltando a importância dada à experimentação nesta concepção epistemológica.

Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as idéias racionais são adquiridos por nós através da experiência. Antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”, onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera. (CHAUÍ, 2000, p. 88)

Os alunos, como todos os seres humanos, são seres sociais, e por esta natureza se relacionam com sua comunidade e, através desta relação, conhecimentos são estruturados de diversas formas. Marsulo e Silva (2005, p. 7) retomam a questão do ser social ao dizerem que “[...] nesse caso, o contexto sócio, econômico e cultural vai determinar a forma como será vista a situação problemática e as discussões sobre essa questão gerarão em torno da construção do problema a ser resolvido.” Toda essa vivência influencia na maneira como se olha para o evento que está sendo analisado.

Não podemos esquecer-nos de abordar que o conhecimento científico não é produzido sozinho, apenas o cientista e o experimento. Flores, Sahelices e Moreira (2009, p. 83) comunicam que:

Além disso, a interação do grupo em laboratório sob este tipo de abordagem de ensino permite aos estudantes discutir, elaborar e comparar o que foi feito no trabalho prático, levando assim, a oportunidade de viver um verdadeiro processo de resolução de problemas.

Essa interação tão almejada pelos teóricos do ensino de Ciências aqui apresentados pode ser remetida aos estudos de Stein (2004) que direciona a necessidade da análise da linguagem, afirmando que a ciência em parte, relega à filosofia a capacidade linguística maior. O autor ainda afirma que não existe experiência que não seja mediada pela linguagem. Na sequência o autor aviva o conhecimento sobre a linguagem dizendo: “A característica da racionalidade científica e filosófica é uma característica que traz em si aquela necessidade de utilizarmos conceitos estruturados no discurso para chegarmos aos objetos através do significado.” (STEIN, 2004, p. 23). Assim, é mediante a linguagem que se pode mediar o processo de construção de conhecimento nas atividades práticas do ensino de Ciências, sejam elas produzidas no cotidiano familiar ou no contexto escolar.

É também por meio da linguagem que o professor encaminha a aula experimental, por meio de questionamentos iniciais, elaboração de hipóteses e reflexão perante possíveis maneiras de chegar a determinada conclusão. Para isso, uma inquietação deve ser estabelecida entre o já conhecido e o conhecimento científico. Cachapuz et al. (2011, p. 101) reforçam, em particular, sobre o processo de aprendizagem durante as atividades de experimentação:

Estas devem desenvolver-se na zona de desenvolvimento proximal, o mesmo é dizer que tais tarefas devem ser um desafio, porém, com grau de dificuldade suscetível de se constituírem em incentivo e não em fonte de desânimo, desmotivação e de impossibilidade de resolução.

Acredita-se que, dessa maneira, o processo de produção do conhecimento acontece; na necessidade de argumentação para validar sua experimentação, na busca de auxilio em conteúdos que dêem sustentação às suas hipóteses e conclusões e na troca de saberes entre os pares, que possibilita validar o seu conhecimento ou perceber quais equívocos cometeu que não os levou à solução mais adequada, assumindo assim, uma abordagem epistemológica construtivista, na intenção de opor-se ao dualismo entre racionalismo e empirismo e possibilitar a comunicação entre estes.

Esse dualismo presente entre razão e objeto, Racionalismo e Empirismo, se constata no decorrer das décadas na produção do conhecimento científico. É notório que essa dualidade acima retratada, também se faz recorrente no âmbito da experimentação no ensino de ciências. Na busca por um diálogo entre razão e experimento novas correntes filosóficas contribuíram com o avanço epistemológico.

Hessen (1980) esclarece esse envolvimento entre as correntes afirmando que:

Na questão da origem do conhecimento encontram-se frente a frente, com todo o rigor, o racionalismo e o empirismo; na questão da essência do conhecimento, o realismo e o idealismo. Mas tanto neste como naquele problema, se fizeram tentativas para reconciliar os dois adversários. (HESSEN, 1980, p. 108).

Em síntese, como nos afirma Cachapuz et al. (2011, p. 86) referendando estudos de autores notáveis no campo do Ensino de Ciências e epistemologia, é inquestionável “[...] a necessidade de construir uma articulação fecunda entre a epistemologia e o ensino de ciências.” Epistemologia mostra que a construção da Ciência não se deu de maneira linear, ingênua e simplista. Muitas reflexões, crises e formulações de novas teorias percorreram caminhos sinuosos, longos anos de estudos implicaram em tentativas, ora frustradas, ora implicava no ápice de uma nova conquista.

Considerações finais

A condução metodológica da aula experimental no laboratório ou fora dele, é realizada assumindo, na sua maioria, um roteiro fortemente estruturado pelo professor, onde o aluno já reconhece o resultado a que deve chegar. Permeando um caminho histórico, a experimentação assume algumas abordagens epistemológicas, entre elas, o racionalismo, o empirismo e o construtivismo. Por vezes, a prática de laboratório se apresenta com uma roupagem racionalista, contudo na maior parte da história sua vestimenta é explicita no empirismo, visto que para os empiristas todos os conceitos, incluindo os mais gerais e mais abstratos procedem da experiência.

Neste ensaio bibliográfico, abordamos influências relativas à epistemologia empirista no ensino de Ciências, mais especificadamente, na experimentação. No entanto, por meio da revisão bibliográfica acerca do Ensino de Ciências e da experimentação foi possível apontar as mudanças ocorridas em nível histórico. Assim, o construtivismo assume uma tendência epistemológica mais favorável, no sentido da produção do conhecimento científico.

No âmbito do ensino, ainda, há perspectivas didáticas que visam, por exemplo, a formação de um estudante capaz de tomar decisões fundamentadas, críticas e refletidas em situações recorrentes da sociedade, potencializada pela epistemologia construtivista. Além disso, esta tendência epistemológica propõe o reconhecimento, por parte desses sujeitos, de que a ciência é permeada por contextos sociais, políticos, econômicos, tecnológicos, pode torná-los cidadãos mais críticos e cientes da não neutralidade científica.

Nesta direção, desencadeia-se a necessidade de uma formação epistemológica dos professores atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental, para que, favorecidos pela compreensão de como a produção do conhecimento ocorre, também a experimentação seja repensada e privilegiada superando as concepções empiro-indutivistas.

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