Percepção dos professores da Educação Infantil acerca da psicomotricidade

Silvia Fernanda de Souza Lordani
Marília Bazan Blanco

A presente pesquisa tem por objetivo investigar a compreensão da psicomotricidade e sua importância para a aprendizagem da criança na percepção dos professores que atuam na Educação Infantil de uma instituição pública localizada em um município ao Norte do estado do Paraná. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário com duas questões abertas, por meio do qual pretendeu-se averiguar os conhecimentos acerca da psicomotricidade e sua relação com a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem da criança, na percepção dos professores participantes. Logo, os resultados evidenciaram que há a compreensão acerca do conceito de psicomotricidade, porém, fica uma lacuna na compreensão acerca da relação existente entre a aprendizagem e a prática psicomotora enquanto ação preventiva das dificuldades de aprendizagem.  

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PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ACERCA DA PSICOMOTRICIDADE

Silvia Fernanda de Souza Lordani
Universidade Estadual do Norte do Paraná -UENP, Brasil
Marília Bazan Blanco
Universidade Estadual do Norte do Paraná -UENP, Brasil

PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ACERCA DA PSICOMOTRICIDADE

Olhar de Professor, vol. 22, 2019

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 01 Enero 2018

Aprobación: 31 Diciembre 2018

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo investigar a compreensão da Psicomotricidade e sua importância para a aprendizagem da criança na percepção dos professores que atuam na Educação Infantil de uma instituição pública localizada em um município da região Norte do estado do Paraná. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário com duas questões abertas, por meio do qual pretendeu-se averiguar os conhecimentos acerca da Psicomotricidade e sua relação com a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem da criança, na percepção dos professores participantes. Logo, os resultados evidenciaram que há a compreensão acerca do conceito de Psicomotricidade, porém, fica uma lacuna na compreensão da relação existente entre a aprendizagem e a prática psicomotora enquanto ação preventiva das dificuldades de aprendizagem.

Palavras-chave: Psicomotricidade, Educação Infantil, Dificuldade de Aprendizagem.

Abstract: This study aims to investigate the awareness of teachers from a public school, in the North of Parana, of the importance of psychomotricity in children’s learning process and it’s understanding. The data were collected with a questionnaire with two open-ended questions to find out what the participating teachers know about psychomotricity and it’s relation with learning and children’s learning difficulties. The results indicated that the concept of psychomotricity is well understood among the participants, but there is little knowledge about the connection between learning and practicing psychomotor skills as a means of preventing leaning difficulties.

Keywords: Psychomotricity, Early childhood education, Learning difficulty.

Resumen: El presente trabajo trata de investigar la comprensión de la psicomotricidad y su importancia para el aprendizaje infantil en la percepción de los maestros que trabajan en la educación de la primera infancia de una institución pública ubicada en un municipio en el norte del estado de Paraná. El instrumento utilizado para la recolección de datos fue un cuestionario con dos preguntas abiertas, a través del cual se pretendía determinar el conocimiento sobre la psicomotricidad y su relación con el aprendizaje y las dificultades de aprendizaje infantil, en la percepción de los maestros participantes. Por lo tanto, los resultados mostraron que existe una comprensión sobre el concepto de psicomotor, pero hay una brecha en la comprensión sobre la relación entre el aprendizaje y la práctica psicomotora como una acción preventiva contra las dificultades de aprendizaje.

Palabras clave: Psicomotricidad, Educación Infantil, Dificultad de aprendizaje.

INTRODUÇÃO

A Psicomotricidade tem como objetivo estimular o desenvolvimento da criança em seus aspectos motores, cognitivos e socioafetivos. A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, é favorável à estimulação dos aspectos psicomotores. Assim, refletir sobre as práticas pedagógicas nessa etapa se faz necessário para compreender os processos de ensino e aprendizagem das crianças pequenas. Estudos apontam que práticas psicomotoras no âmbito escolar podem dar suporte ao processo de aprendizagem, já que, atualmente, é evidente a relação existente entre as dificuldades de aprendizagem com o desenvolvimento de elementos ou habilidades psicomotoras.

Nesse contexto, pesquisas revelam a importância do desenvolvimento psicomotor nos processos que envolvem a aprendizagem da criança, principalmente na fase escolar que antecede a alfabetização, a Educação Infantil. Um trabalho recente realizado por Lordani e Blanco (2019a), evidenciou o crescente interesse pelos estudos das práticas psicomotoras como preventiva das Dificuldades de Aprendizagem (DA) no âmbito escolar. Pesquisas sobre as DA também têm aumentado significativamente nos últimos anos, uma vez que, de acordo com Cosenza e Guerra (2011) e Rotta (2016), até 50% dos escolares podem apresentar dificuldades nos seis primeiros anos de escolarização.

Dessa forma, a educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade, considerada como uma educação de base a partir do início da vida escolar das crianças, pois possibilita que elas tenham consciência de seu corpo, da lateralidade, e consigam situar-se no espaço, dominar o tempo e a coordenação dos seus gestos e movimentos, oportunizando a prevenção de certas dificuldades que, depois de já instaladas, são mais difíceis de serem trabalhadas (BORGHI; PANTANO, 2010).

Assim, constata-se que a Educação Infantil deve ser um lugar de possibilidades e oportunidades para o desenvolvimento infantil na sua integralidade. Conforme afirmam De Meur e Staes (1989), Fonseca (2012), Oliveira (2015), Ciasca et al. (2015), Alves (2016), é o momento propício para a efetivação de práticas pedagógicas preventivas, no sentido de minimizar algumas dificuldades escolares nos anos posteriores, visto que as condições mínimas para um bom desempenho escolar podem estar estruturadas na educação psicomotora.

Diante do exposto, a presente pesquisa justifica-se na crescente evidência científica, revelada por diversos estudos sobre a relação existente entre as dificuldades de aprendizagem escolar com o desempenho psicomotor (LORDANI; BLANCO, 2019a).

Justifica-se, ainda, na análise dos resultados revelados por Lordani e Blanco (2019b), por meio da aplicação do protocolo de observação psicomotora proposto por Borghi e Pantano (2010) em alunos matriculados na Educação Infantil e com dificuldades de aprendizagem. Neste estudo, as crianças apresentaram níveis de desenvolvimento dos aspectos psicomotores abaixo do esperado para sua faixa etária. A partir dos dados coletados, Borghi e Pantano (2010) afirmam a necessidade da aplicação de planos de intervenção pedagógica para sanar as dificuldades apresentadas pelos escolares da Educação Infantil. As autoras também consideram que os aspectos psicomotores devem ser mais estimulados e vivenciados pela criança, já que se colocam como um alicerce para a escolarização dos anos seguintes, auxiliando no processo de alfabetização de maneira preventiva e oportunizando um bom desempenho escolar.

Nesse sentido, torna-se de suma importância a reflexão sobre as práticas pedagógicas e metodologias de ensino na Educação Infantil, principalmente sobre a educação psicomotora, entendida como uma alternativa metodológica que possibilita o aprendizado por meio do movimento corporal e da indissociação dos aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores (SOUSA; SILVA, 2013).

Portanto, este trabalho se caracteriza como uma investigação científica, de análise qualitativa, cujo objetivo é verificar a compreensão da Psicomotricidade e sua importância para a aprendizagem da criança na percepção de professores que atuam na Educação Infantil de uma instituição pública localizada em um município ao Norte do estado do Paraná. Para os encaminhamentos metodológicos, realizou-se a coleta de dados a partir de um questionário aplicado com 06 (seis) docentes, sendo a discussão subsidiada pela Análise Textual Discursiva (ATD).

PSICOMOTRICIDADE: ORIGEM, HISTÓRICO E DEFINIÇÃO

De acordo com a Associação Brasileira de Psicomotricidade (2019), a Psicomotricidade é uma ciência que estuda o homem por meio do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Fonseca (2008, p. 1) complementa conceituando-a, sucintamente, como “o campo transdisciplinar que estuda e investiga as relações e as influências, recíprocas e sistêmicas, entre o psiquismo e a motricidade”. Nesse âmbito, o presente trabalho almeja discutir a prática psicomotora na Educação Infantil.

Para compreender e definir essa ciência, faz-se necessário conhecer a sua origem. A palavra Psicomotricidade foi usada pela primeira vez no século XIX e, ao longo da história, surgiram diversas concepções, cujos estudos prosseguiram até a atualidade.

Segundo Assis e Jobim (2008), o termo Psicomotricidade começou a ser utilizado na área neurológica da medicina no início do século XIX, especificamente em 1870, quando foi necessário nomear as zonas do córtex cerebral. Os autores também apontam que a palavra surgiu em meio à necessidade médica de encontrar explicações para fenômenos clínicos, sobretudo neurológicos.

Estudos propostos por Alves (2016), Fonseca (2012), Falcão e Barreto (2009) e Oliveira (2015) relatam que, em 1909, no campo patológico, o neuropsiquiatra Dupré definiu a síndrome da debilidade motora, configurando-se como um ponto de partida para outros estudiosos. Já em 1920, Dupré denominou a Psicomotricidade como um entrelaçamento entre o movimento e o pensamento.

De acordo com Fonseca (2012), o médico, psicólogo e pedagogo Henry Wallon é, provavelmente, o precursor da Psicomotricidade, quem impulsionou as primeiras tentativas de estudo da reeducação psicomotora. Assis e Jobim (2008) também afirmam que, em 1925, Henry Wallon foi considerado o pioneiro da Psicomotricidade, por desenvolver pesquisas e estudos sobre o movimento humano como elemento preponderante na construção do psiquismo. A teoria Walloniana relaciona o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do sujeito, logo, a criança constitui sua unidade a partir das relações e ações externas, com o outro. Assim, Wallon considera o movimento como o primeiro instrumento do psiquismo, inseparável do pensamento e da linguagem.

Em 1935, a prática psicomotora se acentua com o neurologista Edouard Guilmain que, influenciado por Wallon, passou a ver a Psicomotricidade no campo científico e elaborou protocolos e exames para diagnosticar transtornos psicomotores. Estudiosos como Ajuriaguerra e Soubiran também seguem o pensamento de Wallon na condução de trabalhos referentes ao movimento de reeducação psicomotora.

Já os estudos realizados por Xisto e Benetti (2012) demonstram que a utilização do termo Psicomotricidade na área educacional é recente. Apesar da ampliação das discussões, o termo ainda é bem restrito no campo educacional. No Brasil, os estudos relacionados a essa ciência tiveram início com o psiquiatra francês Dr. Julian de Ajuriaguerra, considerado pela literatura o “pai da Psicomotricidade”, visto que apresentou significativas contribuições para seu nascimento (ASSIS; JOBIM, 2008).

Segundo Barreto e Falcão (2009), a Educação Especial foi o elo para o surgimento e a ligação da Psicomotricidade na Europa e no Brasil. Os autores ainda ressaltam que, no Brasil, os registros apresentam o nascimento da Psicomotricidade durante a década de 50. Neste período, Gruspun, psiquiatra da infância, e Lefévre, neurologista, receitavam o movimento para terapias em crianças excepcionais, acentuando a relação da Psicomotricidade com os distúrbios de aprendizagem. A evolução da Psicomotricidade brasileira aconteceu da seguinte forma: iniciou com a reeducação psicomotora e seguiu pela educação, terapia e clínica psicomotora.

Assim sendo, nota-se que a noção de Psicomotricidade vem se desenvolvendo com o passar dos anos. Com o surgimento de novas pesquisas, cada autor a conceitua conforme sua área de formação (neurológica, psicológica, psiquiátrica, entre outros). Hoje em dia, os trabalhos ultrapassam os problemas motores e investigam também as ligações com a lateralidade, a estruturação espacial e a orientação temporal, bem como as dificuldades escolares de crianças de inteligência normal. Tais estudos também fazem com que se tome consciência das relações existentes entre o gesto e a afetividade, como no seguinte caso: uma criança segura de si caminha de forma muito diferente de uma criança tímida (DE MEUR; STAES, 1989, p. 6).

Para Alves (2016), conhecer e compreender melhor a Psicomotricidade requer a leitura de estudiosos como Dupré, Jean Piaget, Henry Wallon, Pierre Vayer, Jean Le Boulch, Bernard Aucouturier, Edouard Guilmain, Esteban Levin, Gisele B. Soubiran, Júlián de Ajuriaguerra, Dalila M. Costallat, Simone Ramain, André Lapiérre, Solange Thiers e Vitor da Fonseca. A seguir, o Quadro 1 apresenta um breve resumo das ideias desses autores.

QUADRO 1:  Principais Teóricos – Psicomotricidade
QUADRO 1: Principais Teóricos – Psicomotricidade
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras, adaptado de Alves (2016).

Diante do desenvolvimento do termo Psicomotricidade, Falcão e Barreto (2009) apontam para uma nova definição, não mais voltada a um plano motor, mas sim para um corpo em movimento. Assim, ela deixa de ser tratada como uma reeducação para ser compreendida como uma terapia psicomotora, com enfoque “global” do corpo do sujeito. Os autores ainda ressaltam que, em 1995, esse percurso foi marcado profundamente pela teoria da psicanálise.

Desse modo, nota-se que a noção de Psicomotricidade tem recebido contribuições nos últimos anos com o surgimento de novas pesquisas. Ressalta-se que o foco neste estudo será a educação psicomotora para crianças que frequentam a Educação Infantil, considerando que estímulos dos elementos psicomotores neste nível de escolaridade contribuem para os processos de alfabetização nos anos posteriores, conforme afirmam Lordani e Blanco (2019a).

Os elementos psicomotores

Conforme exposto, percebe-se que o termo Psicomotricidade está relacionado à prática do movimento corporal, às relações entre a motricidade, a mente e a afetividade, ou seja, corpo e mente são estimulados de forma conjunta. Nesse sentido, os estímulos dos elementos psicomotores são essenciais nos anos iniciais da vida de uma criança, pois podem contribuir para seu desenvolvimento de forma integral, inclusive dar suporte ao aprendizado da leitura e escrita.

De acordo com Borghi e Pantano (2010), estimular os elementos psicomotores até os seis anos de idade torna-se fundamental na preparação para a leitura e a escrita. As autoras também ressaltam que, para que o processo formal de ensino e aprendizagem aconteça de maneira satisfatória, é necessário desenvolver algumas habilidades psicomotoras, entre elas: 1) coordenação motora global e fina, caracterizada pela habilidade de controlar e regular os movimentos corporais amplos ou finos; 2) esquema corporal, relacionado com a construção da identidade e da autonomia; 3) lateralidade, que é a propensão a utilizar preferencialmente um lado do corpo; 4) estrutura têmporo-espacial, caracterizada pela construção do conhecimento do meio no qual está inserido e das relações entre o sujeito e o mundo; 5) ritmo, que corresponde ao deslocamento no espaço, obedecendo a uma determinada sequência de sons ou músicas; 6) equilíbrio, que é a habilidade de manter-se estático ou em movimento sobre uma ou mais bases do corpo; 7) controle muscular, relacionado a exercícios em movimentos interrompidos bruscamente; 8) força, ligada a exercícios que requerem utilização de força; e 8) velocidade, referente a exercícios que exploram a velocidade de deslocamento durante sua execução.

Para Fonseca (2012), a Psicomotricidade é composta de sete fatores psicomotores: 1) a tonicidade, alicerce fundamental para o desenvolvimento motor e suporte para a motricidade, que garante as posturas; 2) o equilíbrio, que envolve vários ajustamentos posturais antigravíticos que dão suporte a qualquer resposta motora; 3) a lateralidade, que respeita a progressiva especialização dos dois hemisférios resultantes das funções sócio históricas da motricidade laboral e da linguagem, fator de suma importância para a compreensão da direção gráfica da escrita; 4) a noção do corpo, lugar por onde a comunicação se estabelece, extremamente importante para o desenvolvimento da aprendizagem da criança; 5) a estruturação espaço-temporal, que emerge da motricidade, das diversas relações integradas da tonicidade, da equilibração, da lateralização e da noção do corpo, e possibilita na criança a consciência da sua ação, o seu passado conhecido, o presente experimentado e o futuro desconhecido; 6) a praxia global, que compreende tarefas motoras sequenciais globais e possui a função de realizar movimentos globais complexos que se desenrolam em certo período e exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares; e, por fim, 7) a praxia fina1, que compreende as tarefas motoras sequenciais finas, a micromotricidade e a perícia manual, e que possui uma íntima relação com a percepção visual, que é de grande importância para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo.

Estudos propostos por Fonseca (2008; 2012; 2014) e Borghi e Pantano (2010) elucidam que os elementos psicomotores resultam do funcionamento neurológico integrado de três unidades funcionais, conforme o modelo proposto pelo psicólogo Russo Aleksander Romanovich Luria. Para Luria, o cérebro humano é o resultado da integração de três unidades funcionais. Fonseca (2014) também apresenta a discussão proposta pelo modelo Luriano: a primeira unidade funcional, de alerta e atenção, é responsável pela tonicidade e postura. A segunda unidade funcional, de recepção, integração, codificação e processamento sensorial e situacional, é a unidade da somatognosia (noção de corpo) e da ecognosia (noções de objeto, espaço e tempo). A terceira unidade funcional, de execução motora, planificação e autorregulação, é encarregada da planificação e da execução práxica.

O estudo de Kolyniak Filho (2010) também apresenta a relação entre os elementos psicomotores e as unidades funcionais elencadas por Luria, na qual o funcionamento desses elementos está associado ao desenvolvimento neurológico. Segundo o modelo Luriano, a primeira unidade funcional compreende o fator psicomotor da regulação do tônus muscular e é responsável pelo estado de atenção e de alerta. O fator psicomotor da tonicidade é encarregado de acionar um ou vários músculos e a equilibração é responsável pela manutenção da postura bípede e a locomoção.

A segunda unidade funcional tem suas estruturas relacionadas a três fatores psicomotores: a lateralização, que é o processo de integração entre ambos os lados do corpo; a noção do corpo, caracterizada por um amplo conjunto de informações advindas do próprio corpo; e a estruturação espaço-temporal, que se refere à localização do corpo no espaço-tempo, permitindo a relação do ser humano com o meio físico. Já a terceira unidade funcional compreende o fator psicomotor da praxia global e fina, responsáveis por realizar movimentos. Ela envolve a área que comanda a programação, a regulação e a verificação da atividade, caracterizando-se como a unidade responsável pela atividade intencional, com objetivos definidos (KOLYNIAK FILHO, 2010).

Nesse contexto, o modelo Luriano estabelece uma relação indissociável entre corpo e mente. Observa-se que estímulos psicomotores possibilitam uma formação de base indispensável a toda criança desde o início da sua escolarização, portanto, torna-se recomendável a educação psicomotora no âmbito da Educação Infantil.

A EDUCAÇÃO PSICOMOTORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, integrou-se ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio a partir de 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9394/96. A LDBEN foi construída com base na Constituição de 1988, que reconheceu como direito da criança pequena o acesso à Educação Infantil em creches e pré-escolas. Assim, a LDBEN dispõe em seu artigo 29:

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (BRASIL, 1996).

Diante da obrigatoriedade legal, fica evidente a necessidade de possibilitar práticas pedagógicas que visam explorar o desenvolvimento integral da criança durante sua passagem pela Educação Infantil, proporcionando um alicerce para o bom desempenho escolar nos anos posteriores.

Em consonância com a LDBEN, o compromisso com a educação integral da criança e seu desenvolvimento humano global é reafirmado na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao cursar a Educação Básica. Sua implantação se deu por meio da resolução CNE/CP Nº 2, de 22 de dezembro de 2017, que define a Educação Infantil como o início do processo educacional da criança.

A BNCC para a Educação Infantil considera que as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes as interações e a brincadeira, assegurando-lhes seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver; brincar; participar; explorar; expressar-se e conhecer-se, organizados e estruturados em cinco campos de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações (BRASIL, 2017). Portanto,

Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento pleno, nas suas singularidades e diversidades (BRASIL, 2017, p. 14).

Dessa forma, ao analisar os documentos oficiais, é necessário ampliar as discussões sobre as práticas pedagógicas realizadas na Educação Infantil, e verificar se estão atendendo às demandas legais, no sentido de promover o desenvolvimento integral do aluno, das dimensões cognitivas, afetivas e psicomotoras.

Considerando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, a BNCC estabelece cinco campos de experiências, os quais possibilitam que as crianças aprendam e se desenvolvam. Dentre os cinco campos de experiência, “O Corpo, Gestos e Movimentos” é o campo no qual o corpo das crianças ganha centralidade, “pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão” (BRASIL, 2017, p. 39).

Na análise do Referencial Curricular do Estado do Paraná, elaborado e embasado a partir da BNCC, constatou-se, no campo de experiência, “O Corpo, Gestos e Movimentos”, que os elementos da Psicomotricidade compõem os saberes e os conhecimentos necessários para a criança de 5 anos.

QUADRO 2: Elementos da Psicomotricidade no Referencial Curricular do Estado do Paraná para a Educação Infantil
QUADRO 2: Elementos da Psicomotricidade no Referencial Curricular do Estado do Paraná para a Educação Infantil
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras, adaptado de Paraná (2018).

Com isso, espera-se que a instituição escolar que oferta a Educação Infantil promova oportunidades para que as crianças possam, por meio da ludicidade e nas interações com seus pares, explorar e vivenciar práticas que contemplem o movimento corporal no sentido de estimular os elementos psicomotores, uma vez que a escola se configura como um ambiente favorável para práticas psicomotoras.

A esse respeito, Borghi e Pantano (2010) afirmam que os estímulos psicomotores são imprescindíveis até os seis anos de idade na preparação para a leitura e escrita. Oliveira (2015) reafirma a ideia de que, se praticada desde o início da escolarização do aluno, a Psicomotricidade contribui satisfatoriamente para a alfabetização, consequentemente, possibilita melhores resultados em relação ao desempenho escolar, prevenindo possíveis dificuldades de aprendizagem.

Xisto e Benetti (2012) corroboram com Oliveira (2015), ao apontarem que a Psicomotricidade deve trabalhar na prevenção de dificuldades escolares, na afetividade, leitura, escrita, matemática, atenção, lateralidade, dominância lateral, funções cognitivas, socialização e trabalho em grupo, ou seja, no desenvolvimento integral da criança.

De Meur e Staes (1989), por sua vez, pontuam que os elementos básicos da Psicomotricidade são considerados fundamentais na etapa que antecede a alfabetização, e podem contribuir para uma boa aprendizagem. Pode-se perceber que uma criança que apresenta dificuldades ou transtornos de aprendizagem pode ter passado por “falhas” no nível base. Como exemplo, os autores citam a questão da ausência de noção de percepção espacial, que ocasiona confusão na mente da criança, resultando em dificuldades na distinção (entre as letras “b” e “d” ou entre os números “21” e “12”, por exemplo). Isso demonstra o quanto é fundamental trabalhar e estimular o desenvolvimento dos elementos da Psicomotricidade na criança pequena, principalmente na Educação Infantil.

Para Ciasca et al. (2015), os movimentos coordenados e precisos das mãos são muito exigidos na vida escolar, pois requerem habilidades que exploram o tônus e a força muscular. Caso a criança apresente alguma dificuldade na manutenção postural, na estabilização proximal dos membros ou até mesmo na execução dos movimentos manuais, sua atenção poderá ser prejudicada e ocasionar, a longo prazo, dificuldades de aprendizagem.

Diante das discussões elencadas, nota-se a importância da compreensão dos elementos básicos da Psicomotricidade, principalmente para professores que atuam com crianças na Educação Infantil, já que tais fatores ou habilidades psicomotoras, estimulados na idade adequada, podem atuar de forma preventiva nas dificuldades de aprendizagem dos escolares.

Conforme exposto, entende-se que o termo Psicomotricidade está relacionado à prática do movimento corporal, às relações entre a motricidade, a mente e a afetividade, portanto, corpo e mente são estimulados de forma conjunta.

METODOLOGIA

Para a coleta de dados com os participantes da pesquisa, utilizou-se o instrumento questionário, com duas questões abertas. Segundo Lakatos e Marconi (2010, p. 201), o “questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”, a fim de coletar dados de um grupo correspondente.

Ao aplicar o questionário, pretendeu-se averiguar a percepção dos professores a respeito da compreensão da Psicomotricidade e sua importância para a aprendizagem da criança. Para tanto, foram feitas duas questões abertas: “O que você compreende por Psicomotricidade?” e “Qual a importância da Psicomotricidade para a aprendizagem da criança?”

Os dados foram analisados qualitativamente e discutidos à luz do aporte teórico utilizado, com encaminhamentos metodológicos embasados na Análise Textual Discursiva (ATD) de Moraes e Galiazzi (2016). Para os autores, a ATD se configura como uma metodologia de etapas detalhada que visa, inicialmente, a desmontagem dos textos e análises nos mínimos detalhes. Espera-se que, ao término da pesquisa, aconteça a compreensão e a reconstrução de conhecimentos existentes sobre a temática pesquisada.

O processo de análise textual discursiva parte do elemento corpus, isto é, dos dados coletados para o estudo. Considerando a importância deste elemento, o pesquisador precisa delinear bem seu corpus para desenvolver a primeira etapa, definindo as unidades de análise, que por sua vez, podem partir de categorias a priori, elencadas antes da análise, ou categorias emergentes, elencadas a partir das informações do corpus (MORAES, 2003).

Assim, para as análises desta pesquisa, foi elencada uma categoria a priori e três unidades de análise a partir da base teórica, com o objetivo de identificar a percepção dos professores participantes em relação ao conceito de Psicomotricidade e sua influência para a aprendizagem da criança. Destaca-se que não houve surgimento de categorias emergentes de análise.

Figura 1: Categoria Psicomotricidade e unidades de análise
Figura 1: Categoria Psicomotricidade e unidades de análise
Fonte: As autoras, 2019.

Perfil dos Participantes da pesquisa

Participaram da pesquisa 06 (seis) professores que atuam na Educação Infantil, com crianças de 4 e 5 anos de idade, matriculadas no Pré-escolar em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) de uma cidade localizada ao Norte do estado do Paraná. Todos os participantes da pesquisa pertencem ao sexo feminino, e são docentes efetivos do quadro próprio do magistério público municipal, com jornada de trabalho semanal de 40 horas. A idade varia de 24 a 54 anos, ao passo que o tempo de atuação em docência na Educação Infantil varia de 3 a 17 anos. Além disso, todos possuem graduação (licenciatura) e especialização (lato sensu) na área da educação, conforme demonstram os Gráficos 1 e 2.

Vale ressaltar que os professores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e suas identidades foram preservadas, portanto, os nomes foram codificados de P1 a P6.

Gráfico 1:  Formação acadêmica dos participantes
Gráfico 1: Formação acadêmica dos participantes
Fonte: As autoras, 2019.

Gráfico 2: Especialização lato sensu
Gráfico 2: Especialização lato sensu
Fonte: As autoras, 2019.

Como pode-se observar no Gráfico 2, a quantidade de especializações concluídas está acima do número de participantes, o que significa que alguns possuem mais de uma especialização, conforme mostra o Quadro 3.

QUADRO 3: Especialização lato sensu por participante
QUADRO 3: Especialização lato sensu por participante
Fonte: As autoras, 2019.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Com a primeira questão, foi possível verificar os conhecimentos que os professores possuem acerca da Psicomotricidade e efetivar a primeira unidade de análise, conforme excertos apresentados no Quadro 4.

QUADRO 4:  Categoria: Psicomotricidade. Primeira unidade de análise: Percepção dos professores acerca desse conhecimento2
QUADRO 4: Categoria: Psicomotricidade. Primeira unidade de análise: Percepção dos professores acerca desse conhecimento2
Fonte: As autoras, 2019.

Ao analisar os excertos do Quadro 4, referentes à pergunta “O que você compreende por Psicomotricidade?”, percebe-se que 50% dos participantes (P1, P2 e P4) relacionam a Psicomotricidade ao movimento corporal, definindo-a como aspectos que envolvem o movimento.

“A psicomotricidade é uma ciência que estuda o corpo em movimento, é uma relação: corpo e mente, que são inseparáveis” (P1 – Questionário).

“A Psicomotricidade, pode se compreender que é um estudo do corpo, na qual se da através do movimento, seja ele integrado ou não” (P2 – Questionário).

“A psicomotricidade tem por finalidade de melhorar os movimentos da criança, interação social e cognitivo.” (P4 - Questionário).

Observa-se que estes excertos (P1, P2, P4) vão ao encontro da definição de Psicomotricidade proposta pela Associação Brasileira de Psicomotricidade (2019): uma ciência que estuda o homem por meio do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Nota-se, ainda, que a participante P4 acentua a finalidade da Psicomotricidade.

Alguns estudos reforçam a Psicomotricidade na busca constante do entendimento do movimento associado à vida mental. Os movimentos se associam ao psiquismo e, quando estimulados de maneira correta, favorecem o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e psicomotor da criança, possibilitando o desenvolvimento da personalidade (OLIVEIRA, 2015).

Isto posto, as ideias apresentadas pelas participantes P1, P2 e P4 também corroboram com as ideias de Falcão e Barreto (2009). Para os autores, o termo Psicomotricidade passou por uma nova definição, não mais voltada para um plano motor, mas sim para um corpo em movimento, deixando de ser tratada como uma reeducação para ser compreendida como uma terapia psicomotora, com enfoque “global” do corpo do sujeito.

A P1, além de relacionar a Psicomotricidade ao movimento, elenca o corpo e mente como processos inseparáveis. Tal excerto corrobora, ainda, com a ideia de Fonseca (2012), que afirma que a Psicomotricidade deve ser trabalhada na interação dos aspectos motores, afetivos e cognitivos.

Das 6 respostas das participantes, 33% (P3 e P6) elencam os fatores psicomotores. Ambas citam os fatores e afirmam que a Psicomotricidade deve auxiliar no seu desenvolvimento humano.

“Psicomotricidade como um processo que envolve as habilidades motoras onde se trabalha esquema corporal, lateralidade, organização espacial e corporal” (P3 – Questionário).

“A psicomotricidade auxilia desenvolver a coord. motora, ampla e fina, noções tempo e espaço, a flexibilidade, a agilidade e atenção” (P6 – Questionário).

Os excertos da P3 e P6, por sua vez, se assemelham aos estudos de Fonseca (2012) que define sete fatores psicomotores: tonicidade, equilíbrio, lateralidade, noção de corpo, noção de tempo e espaço, praxia global e praxia fina. Ao mencionar o termo “habilidades motoras”, a P3 aproxima sua percepção dos estudos de Borghi e Pantano (2010), que definem nove habilidades psicomotoras: o esquema corporal, a coordenação motora global e fina, o esquema corporal, a lateralidade, a estrutura têmporo-espacial, o ritmo, o equilíbrio, o controle muscular e a velocidade.

No Quadro 5, são apresentados os excertos da segunda questão: “Qual a importância da Psicomotricidade para a aprendizagem das crianças?”, da qual originaram a segunda e a terceira unidades de análise.

QUADRO 5: Categoria: Psicomotricidade. Segunda e terceira unidades de análise.3
QUADRO 5: Categoria: Psicomotricidade. Segunda e terceira unidades de análise.3
Fonte: As autoras, 2019.

Os excertos contidos no Quadro 5 referem-se à segunda e terceira unidades de análise. Constatou-se, na percepção dos professores participantes, a compreensão da importância da Psicomotricidade para a aprendizagem da criança e sua possível relação com as Dificuldades de Aprendizagem.

Diante dos dados coletados, nota-se que 50% dos participantes (P1, P4 e P5) sinalizam primordialmente que a Psicomotricidade contribui para os processos de aprendizagem da criança, dentre outros benefícios.

“Ela é tudo no processo de aprendizagem...” (P1 – Questionário).

“Psicomotricidade é muito importante para que a criança tenha noção do seu corpo, dos seus movimentos, pois quando a criança se comunica e gesticula essa interação contribui no processo de aprendizagem” (P4 – Questionário).

“A psicomotricidade ajuda a desenvolver o esquema corporal, lateralidade, orientação espacial, temporal, socialização, criatividade, com esses elementos bem desenvolvidos a criança tem maior facilidade de aprendizagem” (P5 – Questionário).

Nota-se, também, que os relatos das participantes P1, P4 e P5 corroboram com os estudos propostos por Furtado (1998), Pereira (2005), Beltani (2006), Santi Maria (2012), Ambrósio (2011), Gomes (1998), Oliveira (1992), Zimpel (2010), Borges, Mendes e Clementino (2014), Fernandes Dantas e Mourão-Carvalhal (2014), Matsunaga et al. (2016), Carvalho, Ciasca e Rodrigues (2015) e Siqueira et al. (2015), os quais discutem a relação da Psicomotricidade com a aprendizagem das crianças e consideram que a sua estimulação pode contribuir para um bom desempenho escolar.

O estudo de Ambrósio (2011) verificou, em alunos do 2º ano do Ensino Fundamental, uma provável relação entre o desenvolvimento psicomotor e o desempenho escolar no processo de alfabetização. Os resultados evidenciaram que alunos com atraso no desenvolvimento psicomotor demonstram níveis de desempenho escolar insatisfatório e defasagens na maturidade viso-motora. Além disso, a pesquisadora ressalta a importância de estudos mais aprofundados com crianças na fase da Educação Infantil, para analisar o desenvolvimento psicomotor e o desempenho escolar. Em suma, Ambrósio defende a efetivação de estudos que possam verificar efeitos de trabalho de intervenção com alunos que possuem dificuldades de aprendizagem, reafirmando, assim, a relação existente entre a Psicomotricidade e a aprendizagem da criança.

Os excertos contidos no Quadro 5 ainda apontam que 50% dos participantes (P1, P2 e P6) relacionam a Psicomotricidade com as Dificuldades de Aprendizagem (DA).

“[...] geralmente quando uma criança apresenta alguma dificuldade de aprendizagem, o fundo do problema, está relacionado ao desenvolvimento motor” (P1 – Questionário).

“[...] contribui para os alunos que tem dificuldades de aprendizagem, pois este aluno também tem defasagem no aspecto motor” (P2 – Questionário).

“[...] com isso os alunos que têm dificuldades de aprendizagem, melhora bastante” (P6 – Questionário).

Observa-se que não há excertos que sinalizam a Psicomotricidade na prevenção das DA, apenas indicam sua contribuição para alunos que já apresentam alguma dificuldade. Também nota-se a correlação da Psicomotricidade com o desenvolvimento motor, atestando os estudos que apontam a relação entre desempenho psicomotor e dificuldade de aprendizagem, desenvolvidos por Carvalho, Ciasca e Rodrigues (2015), Oliveira (1992), Fernandes, Dantas e Mourão-Carvalhal (2014), Peruzzo (2015) e Bofi (2012). Tais trabalhos demonstram que alunos diagnosticados com dificuldades de aprendizagem também apresentam desempenho psicomotor deficiente em relação à idade cronológica.

Já nos relatos das participantes P1, P2 e P6, é possível constatar semelhanças com as pesquisas de Fonseca (2012), visto que o autor afirma que a criança com dificuldades nos movimentos apresenta, quase sempre, problemas na aprendizagem. Na criança dispráxica, as relações entre a motricidade e a organização psicológica não se verificam de maneira harmoniosa, materializando o papel da motricidade na preparação do terreno às funções do pensamento e das funções neurológicas.

A participante P1, graduada em Educação Física, ainda afirma que os alunos com DA geralmente apresentam dificuldades no aspecto motor, corroborando com os estudos propostos por Fonseca (2008), Ciasca et al. (2015), De Meur e Staes (1989) e Oliveira (2015), os quais discutem que o aluno dispráxico, na maioria das vezes, também apresenta DA no âmbito escolar, revelando, assim, a relação entre ambas.

Nesse contexto, Carvalho, Ciasca e Rodrigues (2015) demonstram, por meio da aplicação de uma bateria de testes psicomotores em escolares diagnosticados com DA, que há relação entre o mau desenvolvimento psicomotor e as DA. Assim, os autores enfatizam a necessidade de inserir a Psicomotricidade na escola, com o intuito de prevenir e minimizar o mau desempenho escolar.

Na mesma perspectiva, Furtado (1998) constata que alunos com habilidades desenvolvidas em leitura e escrita possuem bom desenvolvimento psicomotor. Em contrapartida, alunos com dificuldades em leitura e escrita apresentam comprometimento no desenvolvimento desse aspecto. Desse modo, o autor enfatiza que há relação entre a Psicomotricidade e as DA.

Diante dos resultados e das discussões elencadas, identifica-se por meio da categoria e unidades de análise, que os participantes – professores que atuam na Educação Infantil – possuem conhecimentos prévios acerca do conceito de Psicomotricidade, porém, muitos apresentam dificuldades em relacioná-la às funções neurológicas, à ação preventiva nas DA e à aquisição da leitura, da escrita e da matemática. Apesar disso, os excertos evidenciam que todos possuem uma percepção positiva em relação à importância da Psicomotricidade para a aprendizagem, e compreendem que é necessário ter domínio sobre esse conceito, bem como conhecer seus benefícios para a vida escolar do aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo atentou-se para a compreensão do conceito de Psicomotricidade e sua correlação com a aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem escolar da criança, sob a percepção dos professores que atuam na Educação Infantil. Diante das análises, os resultados revelaram uma percepção positiva quanto à compreensão do conceito Psicomotricidade. Os participantes apresentaram definições de Psicomotricidade semelhantes às definições propostas por Fonseca (2012), De Meur Staes (1989) e Oliveira (2012) ao mencionarem que os aspectos cognitivos, motores e afetivos são indissociáveis nas práticas psicomotoras.

Quanto à percepção da relação com a aprendizagem da criança, apenas 50% sinalizou que a Psicomotricidade é importante para os processos de aprendizagem. Já no que diz respeito às dificuldades de aprendizagem, 50% relataram a importância da prática psicomotora com crianças que já apresentam DA, mas não mencionaram sua estimulação para preveni-las.

Dessa forma, os resultados obtidos no presente trabalho proporcionaram uma reflexão acerca da lacuna existente na compreensão da Psicomotricidade enquanto prática pedagógica preventiva das DA, bem como da sua importância para os processos de aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática.

Compreende-se que, atualmente, a educação psicomotora precisa ser vivenciada no âmbito escolar, uma vez que as práticas pedagógicas em sala de aula têm priorizado atividades focadas na construção da escrita e do raciocínio lógico. Logo, essa percepção precisa ser disseminada, a fim de ampliar as possibilidades de aprendizagens.

Diante dessas considerações, ressalta-se a necessidade do desenvolvimento de pesquisas que apresentem propostas ou estratégias para o ensino, contemplando a Psicomotricidade enquanto possibilidade de atuação com professores da Educação Infantil, e visando a educação psicomotora como prática pedagógica para o desenvolvimento integral das crianças, capaz de prevenir as dificuldades de aprendizagem e contribuir para o pleno desempenho escolar.

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Notas

1 Esse termo é definido por De Meur e Staes (1989, p. 193) como pré-escrita: “visam dar força muscular e flexibilidade articular necessárias aos diferentes movimentos da escrita”.
2 Transcrição na íntegra, sem correções ortográficas, gramaticais.
3 Transcrição na íntegra, sem correções ortográficas, gramaticais.
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