PROFESSORES HOMENS E DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA DOCENTE EM PROFISSÃO VISTA SOCIALMENTE COMO FEMININA

Josiane Peres Gonçalves
Viviane de Souza Correia de Carvalho

Considerando as representações sociais uma forma de conhecimento elaborada no senso comum e que pode influenciar escolhas e atitudes, empreendeu-se um estudo que objetivou identificar as representações sociais associadas à prática pedagógica de professores homens na educação infantil, mas também e, especialmente, nos anos iniciais do ensino fundamental. Para atingir tal propósito, foram considerados como sujeitos de pesquisa três professores homens que se encontravam em diferentes etapas de suas carreiras profissionais: um professor em formação, acadêmico do curso de Pedagogia; um professor na fase de entrada da carreira docente, atuante dos anos iniciais do ensino fundamental; e um professor aposentado, que supostamente passou por todas as etapas da carreira docente descritas por Nóvoa. Por meio da gravação de entrevistas semiestruturadas, os professores puderam falar sobre suas crenças, opiniões e carreira docente. Os resultados foram transcritos e sistematizados, sendo utilizada a análise de conteúdo para discutir os dados da pesquisa. A representação social principal em relação aos professores homens é a de que eles são mais firmes e seguros, impõem maior respeito. Também se percebeu que mesmo que as representações identificadas sejam semelhantes às da metade do século XX, quando a feminização do magistério gradativamente se intensifica, com o passar da carreira docente, os professores podem elaborar um discurso menos conservador e comparativo em relação à prática docente feminina, o que pode significar uma ênfase crescente no ensino ou nas funções da educação, em detrimento de características fundamentais atreladas ao gênero sem as quais não é possível ser um bom professor.

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Caderno Temático

PROFESSORES HOMENS E DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA DOCENTE EM PROFISSÃO VISTA SOCIALMENTE COMO FEMININA

TEACHERS MEN AND DEVELOPMENT OF THE TEACHING CAREER IN PROFESSION SEEN SOCIALLY AS A FEMININE

PROFESORES HOMENES Y DESENVOLVIMENTOS DE LA CARREIRA DOCENTE EN PROFISO VISTA SOCIAMENTE COMO FEMININA

Josiane Peres Gonçalves
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Viviane de Souza Correia de Carvalho
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil

PROFESSORES HOMENS E DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA DOCENTE EM PROFISSÃO VISTA SOCIALMENTE COMO FEMININA

Olhar de Professor, vol. 20, núm. 1, 2017

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 03 Março 2017

Aprovação: 03 Junho 2017

Resumo: Considerando as representações sociais uma forma de conhecimento elaborada no senso comum e que pode influenciar escolhas e atitudes, empreendeu-se um estudo que objetivou identificar as representações sociais associadas à prática pedagógica de professores homens na educação infantil, mas também e, especialmente, nos anos iniciais do ensino fundamental. Para atingir tal propósito, foram considerados como sujeitos de pesquisa três professores homens que se encontravam em diferentes etapas de suas carreiras profissionais: um professor em formação, acadêmico do curso de Pedagogia; um professor na fase de entrada da carreira docente, atuante dos anos iniciais do ensino fundamental; e um professor aposentado, que supostamente passou por todas as etapas da carreira docente descritas por Nóvoa. Por meio da gravação de entrevistas semiestruturadas, os professores puderam falar sobre suas crenças, opiniões e carreira docente. Os resultados foram transcritos e sistematizados, sendo utilizada a análise de conteúdo para discutir os dados da pesquisa. A representação social principal em relação aos professores homens é a de que eles são mais firmes e seguros, impõem maior respeito. Também se percebeu que mesmo que as representações identificadas sejam semelhantes às da metade do século XX, quando a feminização do magistério gradativamente se intensifica, com o passar da carreira docente, os professores podem elaborar um discurso menos conservador e comparativo em relação à prática docente feminina, o que pode significar uma ênfase crescente no ensino ou nas funções da educação, em detrimento de características fundamentais atreladas ao gênero sem as quais não é possível ser um bom professor.

Palavras-chave: Representações sociais, Professores Homens, Carreira docente, Feminização do magistério.

Abstract: Considering the social representations a form of knowledge elaborated in the common sense and that can influence choices and attitudes, a study was carried out that aimed to identify the social representations associated to the pedagogical practice of male teachers in children's education, In the early years of elementary school. To achieve this purpose, three male teachers who were in different stages of their professional careers were considered as research subjects: a teacher in training, an academic in the Pedagogy course; A teacher in the phase of entering the teaching career, who was active in the initial years of elementary school; And a retired teacher, who supposedly went through all the stages of the teaching career described by Nóvoa. Through the recording of semi-structured interviews, the teachers were able to talk about their beliefs, opinions and teaching career. The results were transcribed and systematized, and content analysis was used to discuss the research data. The main social representation in relation to male teachers is that they are firmer and more secure, they impose greater respect. It was also realized that even though the representations identified are similar to those of the mid-twentieth century, when the feminization of the teaching profession gradually intensifies with the passing of the teaching career, teachers can elaborate a less conservative and comparative discourse in relation to female teaching practice, which can mean an increasing emphasis on education or the functions of education, to the detriment of fundamental characteristics linked to gender without which it is not possible to be a good teacher.

Keywords: Social representations, Male teachers, Teaching career, Feminization of teaching.

Resumen: Considera que las representaciones sociales son una forma de conocimiento elaborado no senso común y que pueden influir en las escolhas y las actitudes, No nos fundamentamos en el fundamental. Para este propósito, los profesores que se sienten en las diferentes etapas de sus profesiones: un profesor en formación, un curso de formación de pedagogía; Un profesor en la fase de entrada de la carrera docente; E um profesor aposentado, que supostamente pasó por todas las etapas de la carrera docente descritas por Nóvoa. Por medio de la grabación de entrevistas semiestruturadas, los profesores pudieron hablar sobre sus crenças, opiniones y carrera docente. Los resultados fueron transcritos y sistematizados. A representação social principal en emisión a los profesores de los hombres es de los que son más seguros y seguros, impõem maior respeito. Also se percebeu que mesmo que las representaciones sean identificadas en la mitad del siglo XX, cuando una feminización de la magistratura gradativamente se intensifica, con la carrera docente, los profesores pueden elaborar un discurso menos conservador y comparativo en la práctica docente feminina , O que puede significar una cosa que no se puede enseñar.

Palabras clave: Representações sociales, Profesores hombres, Carreira docente, Feminización do magistério.

Introdução

Atualmente, pode até ser que as novas gerações não estranhem o fato de que as mulheres componham majoritariamente o corpo docente das escolas de educação básica. Na educação infantil, menos estranhamento causaria. Entretanto, a história evidencia que não somente os homens ocuparam exclusivamente os cargos de professores, mas também a posição de alunos das escolas dessa modalidade de ensino (LOURO, 1997; RABELO, 2010; FARIA; GONÇALVES, 2016).

A ausência de estranhamento pode perfeitamente estar associada à ideia de que as mulheres possuem atributos mais adequados para a lida com crianças, o que desemboca em representações de gênero femininas e, por oposição, em representações de gênero masculinas. Se considerarmos a função social do educador ou da escola na atualidade, constataríamos que o homem é inadequado para o cargo de professor nos anos iniciais do ensino fundamental, ao contrário das mulheres?

Seriam funções da profissão docente nos anos iniciais do ensino fundamental a maternidade e a sensibilidade? Rabelo (2013) constata em seus estudos que essas características foram consideradas quando seus sujeitos de pesquisa defenderam que mulheres podem desempenhar melhor a função de professoras de crianças. Essas compreensões e representações do profissional docente – com bases na história da feminização do magistério – existentes na sociedade podem influenciar a escolha da profissão e divulgam que profissões movidas pela “emoção” são próprias das mulheres e as ligadas à “inteligência” são ligadas aos homens (RABELO, 2010).

A pesquisa neste artigo apresentada parte do princípio de que a formação inicial e contínua são as principais responsáveis por fornecer subsídios para uma prática docente adequada às necessidades educacionais de qualquer época. Porém, esta compreensão não está consolidada na sociedade e nem mesmo entre os próprios professores, o que nos motivou a identificar possíveis representações sobre a atuação de professores homens dos anos iniciais do ensino fundamental. Pesquisamos representações sociais por entender que provindas do senso comum para fins práticos, elas atuam no cotidiano das pessoas, influenciando suas escolhas (entre elas, as profissionais).

Vale ressaltar que o interesse pela realização do presente estudo, se justifica por ser uma continuação de investigações anteriores (GONÇALVES; CARVALHO, 2014, 2016) realizadas durante a minha experiência enquanto bolsista de iniciação científica e integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação (GEPDGE) do Campus de Naviraí da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Anteriormente foram pesquisados professores homens que trabalhavam com crianças de anos iniciais do ensino fundamental e diferentes municípios de Mato Grosso do Sul. Dando continuidade, para a realização da presente pesquisa, mantivemos as discussões sobre gênero e atuação de docentes do gênero masculino, mas optamos por analisar a dimensão temporal da carreira profissional.

Dessa forma, três homens em etapas distintas da vida e da carreira foram entrevistados: um acadêmico do curso de Pedagogia, um professor atuante no ensino fundamental, e um professor aposentado. Buscamos, mediante a variedade de sujeitos, reconhecer se as representações sociais relacionadas aos professores homens mudaram com o tempo, considerando o processo gradual de feminização ou (des)masculinização do magistério.

Assim, abordamos por meio de fundamentação teórica em relação aos nossos resultados e aos de outros pesquisadores, temas como: carreira docente, representações sociais e feminização do magistério.

O ciclo da vida e a carreira docente

Alguns autores estudaram o ciclo vital humano e observaram algumas tendências gerais no que diz respeito às características que cada fase da vida pode apresentar. Bee (1997), por exemplo, ao definir etapas e caracterizá-las, afirma, por exemplo, que a fase classificada como adulto jovem (dos 20 a 40 anos) é caracterizada por escolhas importantes como a profissão que se assumirá. Portanto, é comum nesta fase os adultos jovens ingressarem numa universidade, protelarem a maternidade ou paternidade (fenômeno relativamente recente), acontecimentos que são afetados pela formação acadêmica, inteligência, valores e recursos familiares, personalidade e sexo.

Sintetizando estudos de autores desta área, Gonçalves (2016) evoca tais tendências com o intuito de relacionar de forma simples o ciclo vital à carreira docente, dizendo de modo mais claro, a autora afirma que os professores têm suas práticas influenciadas pelo momento da vida que estão vivendo.

Se os professores estiverem em fase de adulto jovem, provavelmente vão procriar e assumir as responsabilidades relativas à maternidade/paternidade. Ou, se estiverem na fase de meia idade, poderão se preocupar com os filhos que estão saindo de casa ou mesmo com os pais que poderão estar em idade avançada. Trata-se da tarefa de cuidar das gerações que antecedem aos adultos de meia idade e que, consequentemente, costumam interferir no aspecto emocional, bem como na rotina de todos os envolvidos. (GONÇALVES, 2016, p. 109).

Quando os estudos do ciclo da vida ainda eram recentes, Nóvoa (1989) já conseguia definir uma espécie de padrão no ciclo da carreira dos professores, ou seja, um ciclo de vida da carreira docente. Mesmo que obviamente o autor reconheça a impossibilidade de todos os professores seguirem uma mesma ordem ou todas as etapas de uma carreira docente padrão1, ele aponta tendências gerais do ciclo de vida dos professores.

Para alguns, este processo pode parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades. O fato de encontrarmos sequências-tipo não impede que muitas pessoas deixem de praticar a exploração, ou que nunca estabilizem, ou que desestabilizem por razões de ordem psicológica (tomada de consciência, mudança de interesses ou de valores) ou exteriores (acidentes, alterações políticas, crise econômica). (NÓVOA, 1989, p. 38).

Sintetizamos algumas características das fases da carreira docente descritas por Nóvoa (1989) com base na literatura sobre o tema. Desse modo, a entrada da carreira caracteriza por estados de “sobrevivência” e descoberta. A descoberta, normalmente auxilia o processo de sobrevivência.

Por “sobrevivência”, o autor entende o enfrentamento de alguns aspectos da profissão como: o choque de realidade; o confronto inicial com a complexidade da profissão; o tatear constante; a preocupação consigo (a respeito da própria capacidade); a distância entre os ideais e as realidades quotidianas da sala de aula; a fragmentação do trabalho; dificuldades com alunos que criam problemas ou com material didático inadequado, entre outros. Por descoberta, Nóvoa (1989) compreende o entusiasmo inicial, a experimentação, a exploração, o senso de responsabilidade, o sentir-se membro de uma equipe profissional. Os autores apontam que um dos estados pode prevalecer dependendo do profissional.

A fase de estabilização é um momento de escolhas importantes e difíceis. O professor define se a docência merece seu comprometimento definitivo o que faz deste período um momento chave, pois tal comprometimento implica em eliminar outras possibilidades de carreira. “Os atos de escolher e renunciar representam justamente a transição da adolescência, em que ‘tudo é ainda possível’, para a vida adulta, em que os compromissos surgem mais carregados de consequências.” (NÓVOA, 1989, p. 40).

Por outro lado, há um sentimento de competência pedagógica crescente, o professor passa a se preocupar menos consigo próprio e mais com os objetivos de aprendizagem, desenvolve um sentimento confortável de ter encontrado um estilo próprio de ensino e relativiza seus insucessos por já não se sentir responsável por tudo o que não é perfeito em sua turma. Tal consolidação pedagógica é sentida positivamente, às vezes plenamente, por quem a vive.

Após a estabilização, as etapas parecem seguir caminhos diferentes de professor para professor. Na fase de diversificação ocorre uma série de pequenas experiências pessoais, diversificação de material didático, modos de avaliação, formas de agrupar alunos, etc. Os professores tentam também evidenciar o seu impacto na turma. Conforme eles tentam maximizar sua contribuição em relação aos alunos, mais ficam conscientes das barreiras que o sistema impõe e que inviabilizam tal objetivo. Como eles já estão estáveis, entretanto, podem lutar contra o sistema com maior motivação, empenho e dedicação, participando da vida escolar de modo mais ativo. O professor nesta fase procura maiores desafios que responderiam ao anseio de cair na rotina e manteriam um entusiasmo pela profissão.

A fase a que Nóvoa (1989) denomina pôr-se em questão possui múltiplas facetas, é difícil de definir e tem origens diversas e dificilmente identificáveis. Ela pode surgir de um sentimento de rotina após a estabilização sem inovações significativas. A monotonia da sala de aula ano após ano desencadeia o questionamento, assim com os fracassos, o fato de estar no meio da carreira (em boa parte das vezes) e a possibilidade de seguir outra profissão com o “pouco tempo que resta”. É o momento de analisar a carreira profissional a ponto de verificar se antigos objetivos foram atingidos. O autor afirma que o questionamento começa mais cedo com os professores homens, que se questionam se é possível ascender na carreira. As mulheres começam o questionamento mais tarde, mas as motivações relacionam-se mais com condições de trabalho do que com sucesso profissional.

De acordo com o autor, a fase de serenidade e distanciamento afetivo é mais um estado de espírito do que uma fase em si e pode ser causada pelo questionamento, entre outros fatores (não citados). Nesta fase, o nível de ambição dos professores cai, logo, cai igualmente o nível de investimento. Entretanto, aumentam as sensações de confiança e serenidade. Não há nada mais a provar, nem a si mesmo nem aos outros e ocorre uma conciliação entre o “eu ideal” e o “eu real”, pois o professor baixa suas expectativas em relação às metas, aceitando suas reais possibilidades. Há também uma mudança na relação professor-aluno, pois o professor mais velho já não é encarado pelos alunos como um irmão mais velho (com quem eles têm determinado tipo de comportamento). Agora os alunos o enxergam como um homem (num estado mais próximo dos seus pais) e este homem demanda um comportamento/relacionamento diferente.

Nóvoa (1989) aponta, de acordo com suas leituras, que há certa tendência, com o passar do tempo, ao desenvolvimento progressivo do dogmatismo, da rigidez, da prudência acentuada, da resistência frente às inovações e da nostalgia do passado. Entretanto, é importante enfatizar que nesta fase de conservadorismo e lamentações, nem todos os professores comportam-se igualmente ou têm atitudes parecidas dadas as suas carreiras individuais. Os professores conservadores reclamam de questões variadas como a disciplina dos alunos ou a política educacional, tais reclamações derivam entre outros de um questionamento prolongado e de reformas educacionais fracassadas.

A fase denominada desinvestimento caracteriza-se, mesmo carente de dados empíricos, por um recuo e interiorização no final da carreira profissional em que ocorre um desligamento progressivo, sem lamentações, devido à dedicação de maior tempo a interesses pessoais e menos a atividades relacionadas à escola. Nesta fase há o desenvolvimento de tendências já manifestadas em fases anteriores. Alguns professores em meio de carreira podem ficar desapontados ao perceberem que suas metas não foram cumpridas e assim adiantam esta fase para buscar outros objetivos e ter um final de carreira mais tranquilo.

O quadro abaixo é uma reprodução do que foi elaborado por Nóvoa (1989), o qual sintetiza de modo simples e esquematizado as fases da carreira por ele estudadas e caracterizadas.

Síntese das fases da carreira docente.
Quadro 1
Síntese das fases da carreira docente.
Nóvoa (1989, p. 47)

Nóvoa (1989) admite que este esquema pode ser especulativo e esquemático, mas afirma que ele agrupa as tendências identificadas com base em vasta literatura estudada. Ele ainda afirma que o percurso mais harmonioso seria: diversificação – serenidade – desinvestimento sereno.

Representações sociais

Ao estudar as representações sociais sobre a Psicanálise, o psicólogo romeno Serge Moscovici introduziu este conceito à Psicologia Social em 1961, de modo diferente das representações coletivas sugeridas por Durkheim. Timidamente explorada em laboratórios por poucos colegas europeus, a teoria ganha força e um bom número de “adeptos” no meio acadêmico a partir dos anos 1980 (MOSCOVICI, 2012).

Desenvolvida por Moscovici, a teoria das representações sociais foi aprofundada por uma de suas seguidoras, Denise Jodelet, responsável por uma das definições mais aceitas desta “teoria em desenvolvimento” como assumiu seu próprio criador. “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.” (JODELET, 2002, p. 22).

Moscovici, em sua tese de doutoramento, criou o conceito de representações sociais estudando a forma como a psicanálise era representada e difundida na sociedade francesa, ou parisiense. Muitas foram as contribuições deste trabalho para a psicologia social, mas podemos citar a diferenciação entre o que se aceita cientificamente e consensualmente sobre um mesmo objeto de conhecimento; ou seja, a sociedade parisiense, no universo do senso comum, possuía um tipo de entendimento sobre a psicanálise; os cientistas da área, por sua vez, possuíam um outro conhecimento. Não é objetivo deste trabalho hierarquizar ou inferiorizar um ou outro tipo de conhecimento, pois, assim como os estudiosos das representações sociais, admitimos que ambos cumprem seu papel na organização da sociedade e do conhecimento.

Moscovici (2012) conclui que, afetados pelo senso comum e pelo contexto sociocultural em que estão inseridos, os indivíduos elaboram suas próprias representações que não são necessariamente idênticas às do grupo a que pertencem. Individualmente, os sujeitos passam por uma espécie de processo de apropriação e assimilação do conhecimento composta pela “ancoragem” de algo novo e desconhecido, aos seus universos de conhecimentos familiares. Assim, ocorre uma associação de imagens do cotidiano e os novos conhecimentos para que estes novos saberes sejam mais facilmente assimilados. Trata-se de uma forma imediata de responder às demandas do cotidiano, e por isso mesmo, pelo imediatismo, algumas representações apressadas podem desencadear em preconceitos, devido a uma falta de reflexão profunda sobre o novo.

De modo similar, Alves-Mazzotti (2008) explica e justifica o caráter prático das representações sociais.

Nas sociedades modernas, somos diariamente confrontados com uma grande massa de informações. As novas questões e os eventos que surgem no horizonte social frequentemente exigem, por nos afetarem de alguma maneira, que busquemos compreendê-los, aproximando-os daquilo que já conhecemos, usando palavras que fazem parte de nosso repertório. Nas conversações diárias, em casa, no trabalho, com os amigos, somos instados a nos manifestar sobre eles procurando explicações, fazendo julgamentos e tomando posições. Estas interações sociais vão criando ‘universos consensuais’ no âmbito dos quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas, passando a fazer parte desse universo não mais como simples opiniões, mas como verdadeiras ‘teorias’ do senso comum, construções esquemáticas que visam dar conta da complexidade do objeto, facilitar a comunicação e orientar condutas. Essas ‘teorias’ ajudam a forjar a identidade grupal e o sentimento de pertencimento do indivíduo ao grupo. (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 21).

Arruda (2002) também contribui com o entendimento do consensual e do reificado quando relacionados à Teoria das Representações Sociais (TRS).

O universo consensual seria aquele que se constitui principalmente na conversação informal, na vida cotidiana, enquanto o universo reificado se cristaliza no espaço científico, com seus cânones de linguagem e sua hierarquia interna. Ambas, portanto, apesar de terem propósitos diferentes, são eficazes e indispensáveis para a vida humana. As representações sociais constroem-se mais frequentemente na esfera consensual, embora as duas esferas não sejam totalmente estanques. [...] No universo consensual aparentemente não há fronteiras, todos podem falar de tudo, enquanto no reificado só falam os especialistas. De acordo com ele (Moscovici), seríamos todos “sábios amadores”, capazes de opinar sobre qualquer assunto numa mesa de bar, diferentemente do que ocorre nos meios científicos, nos quais a especialidade determina quem pode falar sobre o quê. (ARRUDA, 2002, p. 130).

Especialmente na atualidade, em que temos um maior acesso à informação, nosso pensamento pode requisitar ainda mais vezes que sejamos “sábios amadores” e não faltam as oportunidades para opinarmos sobre assuntos em mesas de bares, metaforicamente dizendo. O acesso ao novo, ao estranho, não familiar, faz com que nosso pensamento, baseado em experiências e conhecimentos anteriores, busque suas respostas e adequações para que consigamos entender e mesmo opinar sobre o novo.

Mesmo não sendo especialistas na área da educação, por exemplo, muitas pessoas podem pensar que os centros de educação infantil são espaços em que as crianças são apenas cuidadas enquanto os pais trabalham, ignorando então o direto das crianças à educação e a relação intrínseca entre cuidado e educação. Por pensarem que aquele é um espaço de cuidado, muitos podem admitir as mulheres como ideais para o cargo de professoras nesta etapa de ensino, pois há uma associação entre cuidado e maternidade e mesmo entre cuidado e feminino. E isso, por sua vez, pode preservar o “interesse” das mulheres pela educação formal de crianças e ao mesmo tempo afastar os homens dessas atribuições.

Para Moscovici (2003), pensamento primitivo, senso comum e ciência são práticas mentais e sociais e todas são formas de representação. Portanto, nenhuma delas corresponde exatamente à realidade, mas sim a representações da realidade. Podemos estabelecer uma analogia com uma obra de arte, uma pintura; mesmo um artista saindo de seu estúdio para copiar um ambiente aberto com toda a riqueza de detalhes e técnica, o produto final não é o ambiente real, mas sim uma cópia que representa o real. Quando falamos sobre o que conhecemos ou elaboramos nossas teorias sobre o que desconhecemos, estamos apresentando nossa interpretação pessoal ou coletiva do real, e não o real propriamente dito. Mas é certo que as ciências tentam uma aproximação muito fiel, objetiva e poderíamos dizer “honesta”, da realidade. De qualquer forma, para Moscovici o importante é saber como acontece o embate ou a relação entre pensamentos primitivos, senso comum e ciência.

Moscovici (2003) mostrou-se interessado em compreender por que os indivíduos criam uma realidade comum e como eles transformam as suas ideias em práticas, ou seja, como as representações sociais alteram a vida das pessoas, porque isto é um fato aceito. Cada forma de conhecimento afeta a vida das pessoas, logo, suas atitudes. Um exemplo disso associado à educação está nas constatações de Alves-Mazzotti (2008) que reproduzimos e comentamos abaixo. Sobre o fracasso escolar, a autora determina:

[...] (a) os professores tendem a atribuir o fracasso escolar a condições sócio psicológicas do aluno e de sua família, eximindo-se de responsabilidade sobre esse fracasso; (b) um baixo nível socioeconômico do aluno tende a fazer com que o professor desenvolva baixas expectativas sobre ele; (c) os professores tendem a interagir diferentemente com alunos sobre os quais formaram altas e baixas expectativas; (d) esse comportamento diferenciado frequentemente resulta em menores oportunidades para aprender e diminuição da autoestima dos alunos sobre os quais se formaram baixas expectativas; (e) os alunos de baixo rendimento tendem a atribuir o fracasso a causas internas (relacionadas à falta de aptidão ou de esforço), assumindo a responsabilidade pelo “fracasso”; (f) o fracasso escolar continuado pode resultar em desamparo adquirido. (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 20).

Como a autora pontua, as expectativas e representações dos professores sobre os alunos, entre outros fatores, podem acentuar o fracasso escolar. Tais representações podem até mesmo ser internalizadas pelos próprios alunos. Este é um exemplo drástico, mas ilustra bem como as representações sociais podem afetar as práticas de um grupo, sendo este um grupo escolar.

Considerando as representações sociais como fatores relevantes para que as pessoas assumam determinadas condutas em detrimento de outras, faz-se perfeitamente justificável o seu estudo associado às práticas educativas. Neste trabalho, nos interessamos pelas representações sociais associadas às questões de gênero e, por isso, mesmo que brevemente, precisamos defini-lo.

Nossa definição de gênero está alinhada aos estudos de Joan Scott, pioneira em considerá-lo uma categoria útil de análise histórica. Para Scott (1989), gênero é a organização social dos sexos baseada em suas diferenças. Tais diferenças não são apenas de ordem fisiológica, consideram-se principalmente diferenças sociais por meio de papéis sociais atribuídos a quem nasce com o sexo masculino e quem nasce com o sexo feminino. Esses papéis ficam engessados num sistema dual.

Conforme os pesquisadores foram percebendo a importância do simbólico como orientador das atitudes humanas, os estudos das representações sociais foram popularizando-se. Neste estudo, buscamos identificar algumas delas associadas às práticas pedagógicas de professores homens nos anos iniciais do ensino fundamental. Não é o primeiro estudo nesse estilo e nem será o último, mas entendemos ser importante identificar as representações sociais de professores homens sobre o magistério e como eles percebem as representações sociais predominantes na sociedade sobre o trabalho desenvolvido por professores homens nas escolas.

Metodologia

O presente estudo caracteriza-se por uma investigação de natureza qualitativa. Neves (1996) considera que as pesquisas de natureza qualitativa tem o objetivo de traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social, procurando reduzir a distância entre o pesquisador e o pesquisado, entre os teóricos que sustentam o assunto em questão e os dados coletados, entre contexto e ação.

A pesquisa é de natureza explicativa pelo fato de que além de analisar os fenômenos estudados, busca identificar suas causas (GIL, 2010), o que quer dizer que além de apontarmos representações sociais relacionadas aos professores, associamos sua origem a representações de gênero e ao contexto da feminização ou (des)masculinização do magistério, a inserção da mulher no mercado de trabalho, entre outros(as).

Para identificar possíveis representações sociais relacionadas à atuação de professores homens nos anos iniciais do ensino fundamental, três professores em etapas distintas de formação e carreira foram considerados como sujeitos da pesquisa no que concerne à coleta de dados. Identificaremos no texto como: P1, um professor em formação, acadêmico do curso de Pedagogia, 23 anos de idade, solteiro, trabalhava como professor auxiliar de um aluno com necessidade especiais inserido no ensino regular; P2, um professor dos anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal de ensino do município de Naviraí, 42 anos de idade, casado, 3 filhos; P3, um professor (dos anos iniciais do ensino fundamental) aposentado, professor que atuou em salas de aula e departamentos ligados à educação até aposentar-se, 72 anos de idade, casado, 3 filhos.

Uma entrevista foi realizada individualmente com cada um dos três professores. Eles puderam acrescentar informações além das requisitadas no processo de coleta de dados, pois as questões formuladas foram abertas. O objetivo das questões foi levantar opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, representações em situações já vivenciadas, considerando as “bagagens” distintas de cada sujeito de pesquisa.

Por meio de pesquisa bibliográfica, buscamos autores que encontraram resultados próximos dos nossos para que nossas conclusões ganhassem sentido e coerência nesta área de estudo.

Para a análise dos dados, a técnica escolhida foi a de análise de conteúdo, pois representa um conjunto de técnicas de análise das comunicações para obter uma descrição do conteúdo das mensagens (BARDIN, 2009). Essa análise consiste na análise temática, pois opera com a noção de tema, o qual está ligado a uma afirmação a respeito de determinado assunto; comporta um feixe de relações. E além de ser mais simples, pode ser considerada ideal para as pesquisas qualitativas (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Em seguida, apresentamos as principais discussões provocadas pelos dados levantados.

Resultados e discussões

Considerando Nóvoa (1989) e sua periodização da carreira docente, os sujeitos de pesquisa (os professores entrevistados) estavam em fases distintas de suas carreiras e vidas. O P1 nem mesmo entrou na carreira docente como profissional, visto que trabalhava como estagiário remunerado auxiliando um aluno com necessidades especiais e encontra-se em processo de formação, portanto, consideramos este sujeito numa “pré-entrada” na carreira docente. O P2 já atuava há três anos como professor dos anos iniciais do ensino fundamental no momento da entrevista, estando, portanto, na fase de entrada da carreira profissional. Já o P3 passara (supostamente) por todas as fases da carreira no momento da entrevista, aposentou-se como professor dos anos iniciais do ensino fundamental.

Iniciamos a análise das entrevistas buscando particularidades da carreira docente masculina nos anos iniciais do ensino fundamental e constatamos com base nos relatos dos professores que há realmente especificidades com ligações estreitas às questões de gênero.

O P1, em formação, relata que se sentiu discriminado (não de forma tão explícita) no curso de Pedagogia, com relação à expressão de suas ideias, por exemplo. Ele conta que há uma “opressão” aos homens. No entanto, ele fez os estágios obrigatórios em turmas de educação infantil sozinho, sem dupla, o que para ele sugere uma “discriminação”. A orientação sexual dele já foi questionada por ser um dos poucos homens no curso de Pedagogia. No estágio em educação infantil, ele sofreu uma vigilância que parecia excessiva.

De acordo com o P1, essa observação acontecia para testar se ele era ou não capaz de ser professor, ou seja, havia dúvidas sobre a sua capacidade como docente, provavelmente por ser homem. Próximas do estagiário, as auxiliares e professoras faziam o trabalho em que o cuidar é mais explícito, como a higienização. Para o acadêmico, as mulheres têm um tipo de educação doméstica diferente dos homens, o que lhes dá uma vantagem com relação à educação formal da infância. Ele não sabia muito como lidar com as crianças na educação infantil, mesmo estando no mesmo nível de formação que suas colegas de graduação.

No caso do P1, podemos sintetizar, portanto, as especificidades como: sentimento de discriminação e repressão; questionamento alheio da orientação sexual (como se um homem heterossexual não pudesse se interessar pela etapa da educação em questão); vigilância excessiva de sua prática pedagógica; desconfiança da capacidade de ministrar aulas; diferenças educativas socioculturais que garantem uma vantagem às mulheres em relação ao cuidado de crianças pequenas. Cada um dos resultados mencionados já foi descrito em outras pesquisas que buscaram identificar as representações sociais a respeito dos professores homens, seja na educação infantil ou no ensino fundamental (LOURO, 1997; CARVALHO, 1998; ARAGÃO; KREUTZ, 2012; LOPES; NASCIMENTO, 2012; MONTEIRO; ALTMANN, 2013; RABELO, 2013; FARIA; GONÇALVES, 2016; GONÇALVES; OLIVEIRA, 2016; OLIVEIRA; GONÇALVES, 2016).

Na pesquisa de Oliveira e Gonçalves (2016), realizada igualmente em um município do interior do Estado de Mato Grosso do Sul, os estagiários de Pedagogia também revelaram, por exemplo, um cuidado peculiar com os acadêmicos homens. O professor de Pedagogia da disciplina de estágio chegou a escolher cuidadosamente a instituição de educação infantil em que seu aluno estagiaria. Esse fato se deu porque há certa desconfiança da capacidade dos estagiários homens, uma ideia de sensualização na relação professor homem-aluno, além de algumas instituições não permitirem o desenvolvimento das atividades de cuidado (especialmente no que concerne à higiene) por estudantes homens do curso de Pedagogia.

O P2 admite nunca ter sofrido nenhuma discriminação, porém conta que a afetividade com os alunos deve ser demonstrada de modo mais discreto para não levantar suspeitas. O entrevistado, aqui também discreto, revela a desconfiança de abuso sexual que um professor homem pode suscitar. Lopes e Nascimento (2012) concluem que há uma sensualidade impregnada na interação entre professores e crianças, algo de que as professoras mulheres estão impunes, e isso revela outras representações de gênero: as mulheres são seres menos sexuais que os homens e estes não controlam seus impulsos sexuais.

O P3 não relata nenhum caso de discriminação ou especificidade. Vale lembrar que ele é aposentado e ingressou na carreira docente quando ela era mais prestigiada e valorizada. Tal proposição corrobora com os estudos de Gonçalves (2009), que descreve as recordações de um professor homem aposentado, sobre o início da sua carreira profissional, a qual era mais valorizada pela sociedade.

No tempo que a gente começou, o professor tinha muita consideração da sociedade. Então a família se orgulhava de ter um professor, o professor era valorizado. Independente do grau de ensino, ele era uma referência na cidade, principalmente nas cidades menores ele era uma referência e até um bom partido para um casamento. (GONÇALVES, 2009, p. 112).

Um dado interessante diz respeito à relação entre a família dos professores e a aceitação da profissão ou mesmo influência para seguir tal carreira. É um dado que já apareceu outras vezes em pesquisas do GEPDGE. O P1 vem de uma família de professores que não demonstrou estranhamento quando ele optou pela carreira, além disso, ele discute educação com o pai, também educador. O P2 ingressou na carreira docente influenciado pela esposa. O P3 afirma que sua família recebeu sua escolha de modo excelente, ser professor na época era muito prestigiado, conforme relato mencionado pelo professor homem aposentado, na obra de Gonçalves (2009).

Em relação às representações associadas à prática docente dos professores homens nos anos iniciais do ensino fundamental, identificamos: a firmeza (sendo o professor homem “mais firme” e seguro que a professora mulher); a (maior) imposição de respeito ou disciplina (também em comparação à mulher), às vezes associado ao tom de voz que é mais grosso.

Tais resultados foram identificados na maioria dos trabalhos desenvolvidos pelo GEPDGE (GONÇALVES; CARVALHO, 2014; GONÇALVES; CARVALHO, 2016; GONÇALVES; OLIVEIRA, 2016), mas citamos a contribuição de Rabelo (2013), que ao desenvolver uma pesquisa sobre professores homens no ensino fundamental no Brasil e em Portugal encontrou as mesmas representações, entre outras, e chamou de “discriminação positiva” o fenômeno que faz a comunidade escolar preferir os professores do gênero masculino por acreditar que eles possuem maior autoridade e firmeza para lidar com a indisciplina escolar. Os professores que serviram como sujeitos de pesquisa para Carvalho (1998) também acentuam essa vantagem que eles desfrutam.

O importante é notar que há realmente e literalmente uma relação de gênero. Uma relação de comparação em que os professores entrevistados apontam vantagens de ser professor homem devido a qualidades que eles evidenciam ter por serem homens: maior firmeza e segurança e maior imposição de respeito (disciplina). Quando dizem que são mais ou menos (algo) do que as professoras mulheres, estabelece-se uma relação de gênero que cria uma hierarquia, mesmo que esta não seja a intenção deles.

O P3 mesmo identificando que em sua época o homem podia impor mais respeito numa sala de aula, admite (tornando, portanto, seu discurso e representação complexa) que seja homem ou mulher, o importante é ter domínio de sala, e isso é alcançável para ambos. “A vantagem que tinha na época é que o professor [...] impunha, assim, um respeito devido (a) ser homem [...] mas tanto faz o homem quanto a mulher se ele tiver domínio de sala de aula tranquilamente, (não há) problema nenhum.” (P3).

O P2, ao mesmo tempo em que vê como vantagem o homem falar mais grosso na imposição da disciplina, percebe (com seus três anos de carreira) que o trabalho educativo com crianças não deve ser encarado como exclusivamente masculino. “Eu acho que é machismo por parte dos homens, que acham que trabalhar com crianças é tarefa somente de mulher.” (P2).

Já o P1, professor em formação, revela uma visão menos aberta em relação às questões de gênero. Ele defende com mais força, do que os demais, que o professor homem é mais firme e seguro, mesmo que cada homem possa ser de um jeito.

Tanto o homem quanto a mulher, pela ciência, têm as suas diferenças, têm suas igualdades, enquanto direitos também [...] mas eu acredito, assim, que a presença do homem dentro da escola, na creche, seja onde for, ela vai ser muito importante para poder mostrar para as crianças também um pouco do gênero masculino porque querendo ou não mesmo que ‘a gente’ diga que um gênero é construído socialmente, ele não deixa de ser um gênero, não deixa de ser universo e não deixa de ter sua própria perspectiva, sua própria forma de pensar. E, no entanto, cada homem é de um jeito também, não é? Mas eu acredito, assim, que um homem dentro da escola, o papel dele é muito importante. [...] Mas parece que homem traz mais segurança, parece que o homem traz mais uma presença firme, vamos dizer assim, essa é a visão que ‘a gente’ recebe, não é? [...] Eu acredito que tanto o homem quanto a mulher só têm vantagem a contribuir, os dois universos se encontram e se confrontam, não vão sair só coisas ruins, vão sair muitas coisas boas. (P1)

Os universos masculino e feminino apontados por P1 devem, em tese, se encontrar e confrontar, por quê? Porque em seu discurso eles são diferentes. Por razões culturais essas diferenças realmente podem existir em maior ou menor nível, mas não entre todos os homens e nem entre todas as mulheres. E, na verdade, no que diz respeito à prática pedagógica, não são esses universos supostamente opostos que estão em jogo, mas sim a aprendizagem dos conteúdos curriculares que independem desses universos e dependem muito mais da formação e prática pedagógica adequadas dos professores, sejam homens ou mulheres.

O P1 apresenta um discurso mais conservador em relação às questões de gênero e isso nos faz observar que dependendo do tempo envolvido na prática docente ou do número de fases da carreira ultrapassados, os professores homens apresentam discursos cada vez menos comparativos em relação às professoras mulheres e aceitam melhor que homens e mulheres, independente da sua formação pessoal e sociocultural, possuam a mesma função numa sala de aula e possam desenvolvê-la adequadamente da mesma forma e com o mesmo compromisso, mesmo sendo de sexos opostos. Entretanto, as representações sociais identificadas permanecem semelhantes às descritas por Louro (1997) e Rabelo (2010) em seus escritos, quando falam do processo de desmasculinização do magistério.

Percorrendo a história da feminização ou desmasculinização do magistério, Rabelo (2010) lembra que a profissão docente foi inicialmente masculina, tanto os professores quanto o público: alunos homens. No contexto da luta por direitos das feministas e da necessidade de as mulheres adentrarem o mercado de trabalho, o magistério foi se transformando num verdadeiro gueto profissional feminino. A docência foi se transformando numa profissão feminina por excelência, e a ela foram atribuídas características consideradas femininas tais como a maternidade e a sensibilidade. Carvalho (1998) explica que a educação de crianças ganhou um caráter feminino devido aos valores ansiados na metade do século XX. Num projeto de organização da sociedade, em que a ordem e o “obedecer alienadamente” eram as maiores preocupações, foi conveniente associar o feminino à educação, pois a representação social da mulher era a de uma profissional maternal, emotiva e empática em relação às crianças, mas que se relacionava mal com a racionalidade e não era muito afeita ao desenvolvimento intelectual. Na verdade, como aponta Rabelo (2010), ao homem pertencia a representação de racionalidade. Além disso, a autora afirma que no campo da educação as mulheres ainda continuariam submissas aos homens, pois seu trabalho ainda estava associado ao trabalho doméstico. Então, a profissão docente associava-se ao trabalho doméstico e a luta feminista pela entrada da mulher no mercado de trabalho também foi marcada por grande submissão em suas primeiras décadas.

Louro (1997) também reconhece que no processo de feminização do magistério as representações sociais da profissão docente contribuíram tanto para o ingresso de mais mulheres na educação quanto para a saída dos homens. Mas para a docência se tornar cada vez mais feminina, ela precisou antes receber as mulheres e, além disso, a sociedade brasileira passava por um processo de urbanização que gradativamente foi permitindo a educação a todos e portanto foi se ressignificando.

Inicialmente, [...] combinam-se elementos religiosos e “atributos” femininos, construindo o magistério como uma atividade que implica doação, dedicação, amor, vigilância. As mulheres professoras — ou para que as mulheres possam ser professoras — precisam ser compreendidas como “mães espirituais”. O trabalho fora do lar, para elas, tem de ser construído de forma que o aproxime das atividades femininas em casa e de modo a não perturbar essas atividades. Assim, as mulheres que vão se dedicar ao magistério serão, a princípio, principalmente as solteiras, as órfãs e as viúvas. Nos primeiros tempos, quem vai, efetivamente, exercer a profissão são as mulheres “sós”. (LOURO, 1997, p. 104).

Louro (1997) também informa como professores homens e mulheres representaram-se e/ou foram representados desde o início da feminização do magistério.

Professoras foram vistas, em diferentes momentos, como solteironas ou "tias", como gentis normalistas, habilidosas alfabetizadoras, modelos de virtude, trabalhadoras da educação; professores homens foram apresentados como bondosos orientadores espirituais ou como severos educadores, sábios mestres, exemplos de cidadãos... Diversos grupos e vozes desenharam esses sujeitos. Do outro lado, eles e elas acataram, adaptaram ou subverteram esses desenhos. Relações de poder estavam em jogo aqui — como em todas as instâncias sociais. (LOURO, 1997, p. 100).

Nesse sentido, concluímos que mesmo após gerações desde o início da feminização do magistério, as representações sociais de professores homens e mulheres não parecem ter sofrido alterações tão significativas (com base em nossos resultados). Porém, os professores homens, após passarem pela experiência como professores nos anos iniciais do ensino fundamental, podem desvencilhar-se gradativamente das suas próprias representações de gênero e de professores e professoras.

Ao discorrer sobre as funções da escola, Bueno (2001) afirma que anteriormente a ela foi delegada:

[...] a função de formação das novas gerações em termos de acesso à cultura socialmente valorizada, de formação do cidadão e de constituição do sujeito social. [...] Se, em determinados momentos históricos, a escola se constituiu no locus privilegiado de acesso aos bens culturais produzidos e valorizados pela humanidade, já que outros espaços sociais e comunitários (como a “família” ou a “vizinhança”) contribuíam para a formação dos sujeitos, os processos de urbanização parecem ter confinado à escola, cada vez mais, a função de formação dos sujeitos, o que a transformou em espaço social privilegiado de convivência e em ponto de referência fundamental para a constituição das identidades de seus alunos. (BUENO, 2001, p. 105).

Mesmo com seus novos desafios, as funções da escola e da educação ainda não demandam dos profissionais docentes que eles sejam maternos, meigos, “pouco afeitos ao conhecimento”, autoritários, etc. O que queremos dizer é que independente do gênero do professor, a profissão docente pode ser desempenhada com seriedade e competência cumprindo as funções demandadas pela educação e pela sociedade.

Considerações finais

Empreendemos uma pesquisa no campo das representações sociais por concordarmos num tópico específico com os autores nos quais embasamos este texto: representações sociais podem direcionar nossas vidas; elas formam um tipo de conhecimento pragmático do senso comum que instantaneamente nos faz assimilar ideias novas, aprender, e podem influenciar nossas atitudes e escolhas.

Por isso, é perfeitamente possível que um homem nem cogite a possibilidade de ingressar num curso de Pedagogia, pois, a sociedade pensa, primeiro: que as crianças (no âmbito da educação infantil) são apenas cuidadas; segundo: que o cuidado das crianças é melhor realizado por pessoas que possuem um “instinto maternal”; terceiro: os homens não se encaixam no trabalho com crianças (da educação infantil ou do ensino fundamental), por não possuírem características “quase inatas” às mulheres.

Assim, apoiamos todo tipo de estudo que investigue as representações sociais de modo a desconstruir preconceitos que são resultados de uma reflexão superficial das coisas, ou mesmo de nenhuma reflexão. Infelizmente, nossos resultados indicam que representações da metade do século XX ainda permanecem no imaginário social, mas constatamos que no decorrer da carreira docente é possível que os professores homens, ao menos, mudem seu discurso gradualmente e percebam que a capacidade de ensinar independe do sexo ou das construções sociais (gêneros).

O ensino, a prática pedagógica, de um modo geral, estão mais alinhados ao universo reificado, aquele no qual especialistas podem opinar. E os especialistas da educação são os professores, que em qualquer fase de suas carreiras docentes podem e devem refletir sobre suas práticas.

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Notas

* Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus do Pantanal (UFMS/CPAN) e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação (UFMS/FAED). E-mail: josianeperes7@hotmail.com
** Graduada em Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí (CPNV). Atuou como Bolsista de Iniciação Científica durante a graduação. E-mail: vsccgmv_30@hotmail.com
1 “Os estudos empíricos mostram de forma suficientemente clara que uma tal sequência se reporta a um grande número, por vezes mesmo à maioria dos elementos de uma população estudada, mas nunca à totalidade dessa população.” (NÓVOA, 1989, p. 38).

Autor notes

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus do Pantanal (UFMS/CPAN) e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação (UFMS/FAED).
Graduada em Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí (CPNV). Atuou como Bolsista de Iniciação Científica durante a graduação.
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