O estágio supervisionado na Educação Infantil: uma relação dialética entre teoria e prática

Denize Cristina Kaminski Ferreira
Cláudia Alessandra Gregório
Kátia Cristina Sommer Schmidt

Este artigo apresenta a base legal do estágio supervisionado e referenciais teóricos sobre sua importância nas licenciaturas, de modo específico na Educação Infantil, a qual se difere das demais etapas, tendo em vista as especificidades da faixa etária atendida (0 a 5 anos), que tem como característica a descoberta do mundo por meio de brincadeiras, da ludicidade, da interação com seus pares, com os objetos e com seus parceiros mais experientes. Ademais, historicamente esta etapa tem vinculação com práticas assistenciais de cuidado, frequentemente dissociadas de ações educacionais. Desse modo, a partir das reflexões iniciais se expõe um breve relato de parceria para estágio entre uma instituição de Educação Infantil e um instituto de formação de professores a nível médio, na modalidade Normal em Curitiba-PR. Os resultados evidenciam que o movimento dialético entre teoria e prática propiciado pelo estágio aponta novas perspectivas para a formação inicial e continuada de professores.

Métricas

Carregando Métricas ...

Artigos

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Denize Cristina Kaminski Ferreira
Universidade Federal do Paraná, Brasil
Claudia Alessandra Gregorio
Prefeitura Municipal de Curitiba, Brasil
Kátia Cristina Sommer Schmidt
Prefeitura Municipal de Garuva, Brasil

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA RELAÇÃO DIALÉTICA ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Olhar de Professor, vol. 22, 2019

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepción: 11 Febrero 2019

Aprobación: 13 Junio 2019

Resumo: Este trabalho apresenta a base legal do estágio supervisionado e referenciais teóricos sobre sua importância nas licenciaturas, de modo específico na Educação Infantil, a qual se difere das demais etapas, tendo em vista as especificidades da faixa etária atendida (0 a 5 anos), que tem como característica a descoberta do mundo por meio de brincadeiras, da ludicidade, da interação com seus pares, com os objetos e com parceiros mais experientes. Ademais, historicamente esta etapa tem vinculação com práticas assistenciais de cuidado, frequentemente dissociadas de ações educacionais. Desse modo, a partir das reflexões iniciais se expõe um breve relato de experiência de uma parceria de estágio estabelecida entre uma instituição de Educação Infantil e um instituto de formação de professores a nível médio, na modalidade Normal em Curitiba-PR. Os resultados evidenciam que o movimento dialético entre teoria e prática propiciado pelo estágio aponta novas perspectivas para a formação inicial e continuada de professores.

Palavras-chave: Educação Infantil, Estágio Supervisionado, Formação Docente.

Abstract: This paper presents the legislation on supervised internship and theoretical references about its importance in undergraduate courses, specifically in the Children Education, it is different from the other stages, considering the age served (0 to 5 years), because has as characteristic the discovery of the world through play, playfulness, interaction with peers, objects and their most experienced partners. Historically, this stage has been linked to care, often dissociated to educational actions. We present a experience report of a partnership for internship between an institution of public Children Education and a teacher training institute of high school, in the Normal modality in Curitiba-PR. The dialectical movement between theory and practice provided by the internship show new perspectives to the initial and continuous teachers' training.

Keywords: Children Education, Supervised internship, Teacher Training.

Resumen: Este artículo presenta la legislación sobre pasantía supervisada y referencias teóricas sobre su importancia en los cursos de pregrado, específicamente en la educación inicial, que es diferente de las otras etapas, considerando el edad servida (0 a 5 años), que tiene como característica el descubrimiento del mundo a través del juego, de la interacción con colegas, de los objetos y sus compañeros más experimentados. Históricamente esta etapa se ha asociada con las prácticas de cuidado, disociadas de las acciones educativas. Presentamos un breve informe de experiencia de una asociación para la pasantía entre una institución pública de Educación Inicial y un instituto de formación de profesores de una escuela secundaria, en la modalidad Normal en Curitiba-PR. Los resultados muestran que el movimiento dialéctico entre la teoría y la práctica provisto por la pasantía señala nuevas perspectivas para la formación inicial y continua de los docentes.

Palabras clave: Educación Inicial, Pasantía Supervisada, Formación de profesores.

INTRODUÇÃO

A formação de docentes pressupõe sólida formação básica e associação entre teorias e práticas, conforme artigo 61 da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), o que exige a realização de estudos teóricos atrelados às vivências empíricas no campo de atuação por meio de estágios supervisionados.

Os estágios curriculares possibilitam ao estudante o desenvolvimento de vivências práticas, as quais são entendidas como peças fundamentais para sua qualificação. Trata-se de uma oportunidade ímpar que permite vivenciar o conhecimento teórico, por meio da experiência em situações reais no exercício da futura profissão, a fim de aprimorar sua formação e atuação profissional.

Dentre os diferentes campos de habilitação do curso Normal de Magistério (em nível médio) e do curso de Pedagogia (em nível superior) destaca-se a docência na Educação Infantil. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo apontar as contribuições do estágio supervisionado na primeira da Educação Básica que, por sua vez, apresenta características peculiares em relação ao percurso histórico e às práticas pedagógicas desenvolvidas, pressupondo as ações de cuidar e educar de forma indissociável junto a crianças de 0 a 5 anos de idade.

Para evidenciar as possibilidades e potencialidades do estágio nesta etapa, será apresentado um relato de experiência realizada em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) de Curitiba-PR, que atende 216 crianças, as quais estão divididas em nove turmas conforme a faixa etária, em parceria com um instituto curitibano de formação de professores a nível médio, na modalidade Normal. Cumpre destacar ainda, que o estágio ocorreu nas turmas da subetapa creche, com crianças de zero a três anos de idade (sendo que na unidade em questão, há apenas crianças a partir de um ano completo).

Esta experiência permitiu às estagiárias uma aproximação com as minúcias e desafios do cotidiano desta etapa educacional. Aos professores que atuam na instituição, proporcionou novas possibilidades: repensar sua prática, o cotidiano com as crianças e fomentou a troca de experiências. Ademais, tal vivência possibilitou à professora supervisora de estágio, à diretora e às pedagogas do CMEI, várias trocas, discussões e a certeza de que o estágio supervisionado é um caminho que apresenta os pormenores da prática cotidiana. Desse modo, o estágio ofereceu indícios das alegrias e desafios que futuramente o estudante irá encontrar como profissional, de modo especial na Educação Infantil que, como destacado, é uma etapa muito específica, pois demanda a articulação entre o cuidar e educar nas ações dos profissionais. Por fim, gerou indagações, as quais permitem avançar na formação continuada das professoras que atuam naquele espaço e, consequentemente, fomentou a melhoria da qualidade do atendimento ofertado às crianças.

A IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DOCENTE

O contato com a área de trabalho é de suma importância, especialmente nos cursos de licenciatura, pois permitem a complementação da capacitação profissional do estudante, estreitando a relação teoria e prática, visando superar a dicotomia existente entre elas, por isso pode-se constatar que o estágio supervisionado possibilita que o futuro professor adquira conhecimentos imprescindíveis à sua competência pedagógica, tanto em âmbito prático, quanto teórico.

O estágio supervisionado é uma exigência que se encontra firmada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, consoante artigo 61:

A formação de profissionais da educação, de modo a atender os objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;

II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço (BRASIL, 1996 - Grifos nossos).

Sendo assim, a legislação educacional vigente destaca a relevância da conciliação da formação científica e sua aplicabilidade prática, enfatizando a importância da realização de estágios supervisionados, a fim de enriquecer a atuação pedagógica do futuro docente.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal, estabelecidas pela Resolução (CEB) nº 2/1999, preveem no artigo 7º que a área prática deve favorecer o processo de investigação e a participação dos alunos no conjunto de atividades que se desenvolvem na escola, antecipando situações próprias de docência, com duração mínima de 800 horas, associando teoria e prática. Na mesma perspectiva, o artigo 9º da referida Resolução define que as escolas de formação de professores em nível médio na modalidade Normal devem preparar os docentes para atuar na Educação Infantil, nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, educação nas comunidades indígenas, Educação de Jovens e Adultos e educação de pessoas com necessidades educacionais especiais.

Na mesma perspectiva, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, instituídas por meio da Resolução (CNE/CP) nº 001/2006, estabelecem no artigo 7º que o referido curso deverá ter carga horária mínima de 3.200 horas, distribuídas da seguinte forma: i) 2.800 horas dedicadas às atividades formativas teóricas; ii) 300 horas dedicadas ao estágio supervisionado, em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, podendo contemplar também outras áreas específicas, conforme o projeto pedagógico da instituição; e iii) 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria. O artigo 8º da citada Resolução, determina que o estágio curricular deve assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar; na Educação de Jovens e Adultos; na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos; e em reuniões de formação pedagógica.

Assim sendo, a prática do estágio supervisionado é obrigatória na formação de docentes, tanto em nível médio, no curso Normal (magistério), quanto em nível superior, no curso de Pedagogia, com destaque para vivências nas áreas de docência, para as quais as referidas formações habilitam (Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental).

De acordo com o Parecer (CNE/CP) nº 28/2001 que fixa a duração e carga horária dos cursos superiores de formação de professores da Educação Básica, o Estágio Curricular Supervisionado pressupõe um momento de formação profissional do aluno, tanto pelo exercício direto in loco, quanto pela presença participativa em ambientes próprios de atividades daquela área, sob a responsabilidade de um profissional já habilitado. Trata-se de uma das condições para a obtenção da respectiva licenciatura. Dentre os objetivos do estágio curricular sobreleva-se o oferecimento de um conhecimento real da futura situação de trabalho diretamente em unidades escolares dos sistemas de ensino. Assim sendo, destaca-se que:

O estágio curricular supervisionado deverá ser um componente obrigatório da organização curricular das licenciaturas, sendo uma atividade intrinsecamente articulada com a prática e com as atividades de trabalho acadêmico. Ao mesmo tempo, os sistemas de ensino devem propiciar às instituições formadoras a abertura de suas escolas de Educação Básica para o estágio curricular supervisionado. Esta abertura, considerado o regime de colaboração prescrito no Art. 211 da Constituição Federal, pode se dar por meio de um acordo entre instituição formadora, órgão executivo do sistema e unidade escolar acolhedora da presença de estagiários. Em contrapartida, os docentes em atuação nesta escola poderão receber alguma modalidade de formação continuada a partir da instituição formadora (BRASIL, 2001, p. 11).

Neste sentido, convém destacar o reconhecimento legal do estágio supervisionado enquanto uma prerrogativa para formação em licenciaturas, possibilitando a vivência na área de trabalho futura por parte dos graduandos. Ressalta-se a possibilidade do estabelecimento colaborativo de parcerias entre as instituições formadoras e sistemas/instituições de ensino, propiciando benefícios mútuos e troca de experiências entre as partes envolvidas.

De maneira análoga aos documentos citados anteriormente, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior e formação continuada, estabelecidas pela Resolução (CNE/CP) nº 002/2015, definem no artigo 3º que o “estágio curricular supervisionado é componente obrigatório da organização curricular das licenciaturas, sendo uma atividade específica intrinsecamente articulada com a prática e com as demais atividades de trabalho acadêmico”. Cumpre destacar a sobrelevação da formação prática no referido documento, pois o mesmo estabelece no artigo 13, § 1º, que a carga horária mínima dos cursos de licenciatura de formação inicial de professores será de 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, oito semestres ou quatro anos, compreendendo: i) 400 horas de prática como componente curricular; ii) 400 horas dedicadas ao estágio supervisionado; iii) pelo menos 2.200 horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos definidos na mencionada Resolução; e iv) 200 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras; isto é, cerca de um terço da carga horária dos cursos de licenciatura passaram a estar estritamente vinculadas a atividades práticas inerentes à área de atuação do graduando.

De modo geral, tais normativas ratificam o papel do estágio curricular enquanto um elemento fundamental para possibilitar a aquisição de experiência no campo de atuação profissional. Sendo assim, o estágio supervisionado é entendido como “a atividade em que os alunos deverão realizar durante o seu curso de formação, junto ao campo futuro de trabalho [...]. Por isso, costuma-se denominá-lo a ‘parte mais prática’ do curso, em contraposição às demais disciplinas consideradas como a ‘parte mais teórica’” (PIMENTA, 2002, p. 21).

Trata-se, pois, de um momento eminentemente formativo, visando promover vivências teórico-práticas em diferentes campos de atuação do professor pedagogo, estimulando a compreensão acerca da relação dialética existente entre prática pedagógica e saberes teóricos na docência. Ainda, segundo Pimenta (2002, p. 45), “o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção da realidade, esta sim, objeto da práxis1. Ou seja, é no contexto da sala de aula, da escola, do sistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá”. Sendo assim, deve ser considerado como essencial aos futuros professores, pois o contato com o campo de atuação possibilita que o estudante experiencie e amplie os conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação.

Acerca disso, Zabalza (2015, p. 187) destaca que a diferença no processo de aprendizagem durante o estágio e os estudos nas salas de aula das instituições de ensino superior reside na experiência direta e pessoal do aluno. Portanto, não se trata de “uma aprendizagem baseada em palavras, mas sim no envolvimento com o qual o aprendiz enfrenta sua atuação”, tratando-se de uma aprendizagem experiencial.

Há uma estreita relação entre teoria e prática no ato educativo, pois “a educação é uma prática, mas uma prática intencionada pela teoria. Disso decorre atribuirmos importância ao estágio no processo de formação de professor” (OLIVEIRA, 2007, p. 17). Por isso, é fundamental privilegiar o contato com a realidade nos cursos de formação de professores, a fim superar a dicotomia entre teoria e prática.

Saviani (2007), ao discutir a respeito da intrínseca relação dialética existente entre teoria e prática, afirma que a produção teórica só se constituiu em função da atividade prática do homem, assim como a consistência desta. Também, depende de seu embasamento científico, ou seja, há uma interdependência entre ambas, daí sua íntima ligação. Para exemplificar a indissolúvel relação entre tais elementos, Saviani recorre à famosa analogia de Marx em O Capital, entre o trabalho da abelha e do arquiteto:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador (MARX, 1968, Livro I, v. I, p. 202 apudSAVIANI, 2007, p. 108).

Assim, Saviani (2007, p. 109) evidencia que o ato de antecipar mentalmente o que se pretende realizar é a comprovação de que a prática é orientada pela teoria. Dessa maneira, “quanto mais sólida for a teoria que orienta a prática, tanto mais consciente e eficaz é a atividade prática”. Portanto, ambas são elementos orientadores e inseparáveis do agir humano.

Ainda conforme Saviani (2007, p. 100), ao longo da história, a Pedagogia se constituiu como “uma rica tradição teórica e científica sobre a prática educativa”, caracterizada pela relação teoria-prática. Assim sendo, a pedagogia é uma “teoria da educação, evidencia-se que ela é uma teoria da prática: a teoria da prática educativa”, ou seja, “uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática educativa”. Nesse sentido, é possível constatar que teoria e prática são aspectos distintos e fundamentais da experiência humana, sendo inseparáveis.

Na perspectiva do mesmo autor, teoria e prática não se opõem, pois “o que se opõe de modo excludente à teoria não é a prática, mas o ativismo. Do mesmo modo, o que se opõe de modo excludente à prática é o verbalismo e não a teoria. Pois o ativismo é a “prática” sem teoria e o verbalismo é a “teoria” sem a “prática” (SAVIANI, 2007, p. 109).

Ainda que a vinculação entre teoria e prática seja indiscutível, se não houver uma mediação na articulação entre ambas, corre-se o risco de um elemento ser mais privilegiado que o outro. As autoras Moraes, Shiroma e Evangelista na obra Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente (2003) denunciam que há uma forte tendência nos cursos de formação de professores de se enfatizar a prática em detrimento da teoria, o que limita a possibilidade de uma compreensão mais acurada do fenômeno educativo em sua totalidade, inviabilizando que este profissional vislumbre o potencial político presente em sua atuação.

Ao final da apresentação do mencionado livro, Moraes (2003a, p. 17-18) esclarece acerca do título da obra, pontuando que a sociedade contemporânea designada como ‘do conhecimento’, “parece ressuscitar os velhos tempos de glória iluminista. Trata-se, porém, de um iluminismo às avessas, e estranho a boa parte de seu sentido original”, fazendo do conhecimento um bem a serviço da produção capitalista. Assim, perde seu componente teórico-crítico essencial, privando-se, dessa forma, de seu impulso emancipatório, instaurando em seu lugar um conhecimento instrumental ou técnico-operatório, condicionado e convencionado pela prática social restrita; tal inversão tem consequências severas na formação de educadores.

A reforma educacional dos anos 1990 priorizou as habilidades práticas, a fim de reduzir custos e aumentar o controle, intencionando moldar um novo perfil de professores, competentes tecnicamente e inofensivos politicamente, priorizando a “máxima competência técnica e mínima consciência política” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2003, p. 74 – sem grifos no original). A ênfase reside na formação prática em detrimento da teórica, entretanto, para a referida autora, a primeira é necessária, porém sozinha mostra-se insuficiente.

De acordo com Moraes (2003b) as diretrizes para formação docente ao definirem que seu norte é a experiência cotidiana, reduzem os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa a meros procedimentos e instrumentos de ensino e acabam por dissociar pesquisa e produção de conhecimento. Na visão da autora, isso evidencia um ‘recuo da teoria’, a qual vem sendo suprimida ou relegada, ocorrendo assim a celebração do ‘fim da teoria’, pois prioriza-se a experiência imediata e o pragmatismo, o que gera uma degradação teórica e traz consequências graves para a produção de conhecimento na área educacional.

Com relação ao desenvolvimento de pesquisas na área, para Moraes (2003a, p. 10) “a discussão teórica tem sido gradativamente suprimida das pesquisas educacionais, com implicações políticas, éticas e epistemológicas que podem repercutir [...] na própria produção do conhecimento na área”. Tal situação ocorre, segundo a referida autora, porque se tem privilegiado, na área educacional, a experiência imediata ou o conceito de prática reflexiva.

Nesse sentido, Shiroma, Moraes e Evangelista (2003, p. 147) afirmam que, com a reforma educacional dos anos 1990, “o programa governamental propugnou uma separação entre as instituições voltadas à pesquisa e aquelas voltadas ao ensino. Nas segundas, alocou-se a formação do professor”. Em sua maioria, tais instituições são privadas, as quais, muitas vezes, mostram-se comprometidas meramente com questões mercadológicas, comprometendo a formação desses profissionais.

Diante do exposto, não se pretende negar a importância da formação prática, ao contrário, mas esta necessita ocorrer concomitantemente à formação teórica, pois uma não representa a negação da outra, visto que teoria e prática são complementares na formação do profissional em educação.

De acordo com Lima e Reali (2002, p. 225), parece haver um consenso entre os estudiosos da educação de que os professores aprendem por meio da prática profissional. Porém, a prática não basta por si mesma, ou seja, “não se coloca dúvida que a prática reflexiva é uma fonte de aprendizagem”, no entanto, esta prerrogativa não deve supervalorizar a experiência e desconsiderar a teoria, pois o saber sistematizado, especializado e formalizado é indispensável para a orientação da prática.

Considerando a importância dos saberes teóricos para sustentação da prática pedagógica, no próximo item pretende-se discorrer sobre a especificidade da atuação na Educação Infantil, a qual pressupõe a articulação indissociável do cuidar e do educar, tal entendimento traz implicações significativas na organização do estágio supervisionado na primeira etapa da Educação Básica.

ESPECIFICIDADE DO ESTÁGIO SUPERVISIONADA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O atendimento das crianças pequenas fora do espaço privado do lar ocorreu nas primeiras creches criadas para a proteção da infância proveniente de famílias pobres. Estas instituições possuíam caráter assistencial com objetivo caritativo e higienista, sem fins pedagógicos (KUHLMANN JR., 1998), restringindo-se apenas a práticas de higiene, alimentação, sono e imposição de regras (OLIVEIRA, 2007).

Historicamente, a educação de crianças pobres em idade pré-escolar esteve associada a práticas compensatórias e assistenciais, porém com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº 9.394/96) a Educação Infantil passou a ser considerada como primeira etapa da Educação Básica, vinculada ao sistema educacional e não mais à assistência social, o que representou avanços significativos na oferta e organização dessa etapa.

Nesse sentido, destaca-se que a legislação atual sinaliza avanços na proclamação do direito à Educação Infantil, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional (EC nº 59/2009 que definiu a obrigatoriedade da Educação Básica dos 4 aos 17 anos de idade, tornando compulsória a frequência na pré-escola (4 e 5 anos de idade). Ademais, a legislação também assegura o atendimento das crianças de 0 a 3 anos em creches.

Outro elemento importante na garantia do direito à Educação Infantil foi sua inserção na política do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) para fins de repasse de recurso, instituído pela EC nº 53/2006. E, mais recentemente, no Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado por meio da Lei nº 13.005/2014, que prevê como primeira meta, a universalização da pré-escola (4 e 5 anos) até 2016 e a ampliação do atendimento em creches de forma a atender, no mínimo, 50% da população de 0 a 3 anos de idade até 2024.

O artigo 62 da LDB nº 9394/1996 define que, para o exercício do magistério na Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental é necessário habilitação em curso de nível superior, sendo admitido magistério em nível médio como formação mínima. Todavia, pesquisas demonstraram que ainda hoje há profissionais atuando na Educação Infantil sem formação compatível (ALVES; PINTO, 2011; OLIVEIRA, 2017), sendo recorrente que trabalhadores ingressem leigos na função e busquem formação posteriormente (CONCEIÇÃO; BERTONCELI, 2017).

De acordo com o artigo 29 da LDB nº 93/1996 a Educação Infantil tem como finalidade promover o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade, devendo, conforme artigo 30, ser ofertada em creches para crianças até os 3 anos e em pré-escolas para crianças de 4 e 5 anos de idade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, estabelecidas pela Resolução (CNE/CEB) nº 5 de 17 de dezembro de 2009, determinam, no artigo 8º (§ 1º inciso I), que as propostas pedagógicas das instituições deverão assegurar a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como indissociável do processo educativo.

Na mesma perspectiva, o Parecer CNE/CEB nº 20/2009 reconhece que historicamente, as políticas brasileiras de atendimento à infância, a partir do século XIX, foram marcadas por diferenciações conforme a classe social das crianças, sendo que o cuidar foi associado a atividades meramente ligadas ao corpo e destinadas aos pobres, e o educar foi visto como promoção da experiência intelectual dos mais abastados. Predominou, ainda, a ausência de investimento público e a não profissionalização dos trabalhadores da área. Todavia, a atual legislação reconhece o atendimento em creches e pré-escolas como direito social das crianças e dever do Estado, o que conferiu uma nova identidade para esta etapa educacional.

Em que pese a indissociabilidade entre o cuidar e o educar, a Educação Infantil é marcada pela dicotomia funcional em torno deste binômio (SILVA, 2015). Neste sentido, a sólida formação teórica do futuro docente aliada à experiência prática propiciada pelo estágio supervisionado, são elementos cruciais para a superação de práticas assistenciais e consolidação do reconhecimento educativo dessa etapa.

Convém destacar que o trabalho na Educação Infantil apresenta especificidades no que tange ao reconhecimento de que esta etapa exige competências diferentes, constituídas de forma multidimensional: cultural, psicopedagógica, metodológicas, didáticas e relacionais, sendo que estas devem estar equilibradas (CATARSI, 2013).

A Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018), expressa a concepção de criança como um ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores, apropriando-se do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo físico e social. Desse modo, exige a intencionalidade educativa das práticas pedagógicas, tanto na creche quanto na pré-escola.

A intencionalidade pedagógica se expressa na organização e proposição, pelo professor, de experiências que permitam às crianças conhecer aquilo que antes desconheciam. É uma pesquisa do único, do outro, da cultura, da relação com a natureza e da produção científica. Isso se dá por meio das aprendizagens, dos cuidados pessoais, das brincadeiras, das experimentações, aproximação com a literatura e na relação com as pessoas (BRASIL, 2018). Portanto, o trabalho do professor é garantir pluralidade de práticas no seu planejamento.

Freire (1989) declara que “a leitura do mundo antecede a da palavra”, ou seja, as crianças, antes mesmo de aprenderem a ler os códigos da escrita, já leem o mundo e, por essa razão, agem sobre ele e o transformam por meio das relações estabelecidas, seja com o professor ou com seus pares. Assim, entende-se que na Educação Infantil as crianças estão descobrindo o mundo, criando e recriando, experimentando e aprendendo no cotidiano, em relação com o professor e com os colegas. Portanto, a “escola de Educação Infantil precisa ser o lugar em que acontece a procura de significado da vida e do futuro” (STROZZI, 2014, p. 60).

Desse modo, “ser professora de Educação Infantil está longe do equilíbrio. É estar próximo do entrelaçamento entre objetos e pensamentos, fazer e refletir, teoria e práxis, emoções e conhecimento” (RINALDI, 2014, p. 47). Ser professor de Educação Infantil requer compreender a maior peculiaridade desta etapa, corroborada pela legislação brasileira: quem não frequentou a Educação Infantil jamais poderá fazê-lo quando adulto, ou seja, somente crianças participam (GAULKE, 2013). Por isso, é fundamental que o professor compreenda e enxergue essa criança como sujeito de direitos.

Nessa perspectiva, a Educação Infantil é compreendida a partir de suas particularidades, não como uma etapa preparatória ou um lugar de guarda e tutela. Essa concepção também permite o reconhecimento da criança como “sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere” (BRASIL, 2009, p. 06).

De acordo com Anjos (2012), o Estágio Supervisionado em Educação Infantil propicia ao estudante vivências com crianças pequenas, configurando-se como um momento profícuo para o aprofundamento dos conhecimentos a respeito desta etapa educacional. Por meio da observação e compreensão da realidade, possibilita-se, também, a contribuição com as instituições de ensino que acolhem os estagiários, mediante a socialização de saberes e promoção de práticas pedagógicas diferenciadas.

Considerando este contexto, será apresentado na sequência uma experiência de estágio supervisionado desenvolvida em um CMEI da rede municipal de Curitiba-PR, com estagiários advindos de um instituto de formação de professores, cursistas de magistério em nível médio, na modalidade Normal. Tal relato evidencia a rica possibilidade de socialização de conhecimentos no campo de estágio por parte de todos os envolvidos neste processo.

RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Estagiar em muitas situações, em especial, na Educação Infantil, pode associar-se a preconceitos e estereótipos, principalmente quando se trata do estágio remunerado. Esses estereótipos promovem a dissociação entre o cuidar e educar, passando uma ideia errônea de que, frequentemente os estagiários ficam responsáveis pelas atividades de cuidado, enquanto o “professor ou professora” com o ensino. Sabe-se que muito já se avançou nesse sentido, porém, a Educação Infantil e a realização do estágio nessa etapa educacional ainda carregam essa compreensão.

Em se tratando de estágio não remunerado, na Rede Municipal de Ensino de Curitiba, receber estagiários é uma opção das unidades educacionais. Assim, as instituições têm autonomia para aceitá-los ou não, o que pode acarretar na dificuldade de acesso ao estágio por parte dos estudantes. A recusa pode acontecer por diversas razões, dentre elas, infere-se o aumento do número de estagiários nas unidades, ocasionado pela ampliação do número de faculdades, especialmente, na modalidade à distância, que ofertam cursos para formação de professores e, que desse modo, necessitam de campo para estagiar. Outra razão para a recusa, pode ser o receio dos profissionais que atuam nas unidades sentirem-se avaliados pelos estagiários e suas instituições, isto porque entende-se que o estabelecimento, ao abrir suas portas para o estágio, acaba por ficar vulnerável aos olhos de outros, que não vivem o cotidiano dos erros e acertos daquela realidade.

Nessa perspectiva, a diretora da unidade onde ocorreu o estágio relatado neste trabalho, afirma que quando foi procurada pela professora de estágio supervisionado do instituto demonstrou sua insegurança quanto ao aceite, pois havia assumido a direção do CMEI recentemente, sendo que este, a seus olhos, apresentava inúmeros problemas de ordens estruturais e pedagógicas. Segundo a diretora, o papel da professora de estágio supervisionado foi decisivo para o acolhimento do grupo de estagiários na unidade educacional, já que esta procurou tranquilizar a direção da instituição, relatando suas práticas junto ao grupo.

A diretora ainda relata que, a fala da professora lhe fez recordar acerca da centralidade ocupada pelo estágio supervisionado em sua própria formação, pois foi durante a realização do seu estágio que decidiu seguir carreira na educação. Na visão da gestora, o estágio supervisionado possibilita relacionar teoria e prática, mas também, conhecer as alegrias da docência e os desafios que serão enfrentados pelo futuro professor/a.

A diretora do CMEI destaca que, no primeiro dia em que recebeu as estagiárias, as reuniu para uma conversa, pois ainda se sentia insegura, já que percebia as dicotomias entre teoria e prática existentes na instituição, a qual se encontrava num processo de revisão de suas práticas. Contou ainda acerca da trajetória profissional dos sujeitos que constituíam o espaço, destacando que neste primeiro contato percebeu que as estagiárias também estavam inseguras.

Esse breve relato sobre a diretora, demonstra que aceitar estagiários é um ato de coragem por parte da instituição e, especialmente, do professor, já que ele também se desnuda perante sujeitos que desconhecem o dia a dia da unidade educacional e de sua prática pedagógica, conhecendo apenas um recorte daquele contexto. Porém, no caso em questão, segundo relatos das professoras e diretora, elas ansiavam por receber os estagiários, sobretudo, pelo respeito com o qual a professora supervisora do instituto conduziu o processo nas vezes anteriores em que esteve no CMEI com outro grupo de estudantes. Destaca-se assim, a relevância da criação de um vínculo entre escola básica e a de formação de docentes.

O estágio na Educação Infantil, etapa com muitas peculiaridades por atender crianças de 0 a 5 anos de idade que estão conhecendo o mundo, requer cuidado com o processo, já que há estranheza a pessoas desconhecidas, ocasionando um misto de reações por parte das crianças: algumas choram, outras se jogam nos braços e abraços, outras apenas observam de longe. Portanto, o estágio na Educação Infantil, envolve mais que conhecer práticas e teorias, envolve relação, afetividade e disponibilidade. Essa é outra característica do estágio que, talvez em outras etapas da educação não fique tão evidente, se disponibilizar ao outro e estar em constante relação, associando ações de cuidado e educação.

Além disso, a própria prática docente é desafiadora na Educação Infantil, pois é preciso se reinventar. Ser professor de crianças pequenas se difere daqueles professores que dão aula em outras etapas. Acerca disso, Barbosa afirma, em texto produzido para o Ministério da Educação (BRASIL, 2009b, p. 100), que “os professores nesse nível educacional organizam a escola para que as crianças possam viver a infância”, o que só é possível mediante “a organização de espaços, tempos e materiais, que provoque a necessidade de aprender”. Portanto, ser professor nesta etapa, está mais ligado a descobrir juntos: docente e criança, crianças e seus pares, pois é pela e na interação que as aprendizagens acontecem. O professor como o parceiro mais experiente e a criança com suas indagações sobre o mundo, as coisas que os rodeiam e a vida.

Nesse sentido, Martins Filho (2013) relata que o trabalho com a Educação Infantil vai além das atividades registradas numa folha de papel A4, pois ultrapassa o limite de uma única ação. Ser professor nesta etapa é entender que o cotidiano está recheado de valor e aprendizagens, é ter sensibilidade e inteligência para explorar o dia a dia primando pelo desenvolvimento integral das crianças.

Foi nesse cenário que as estudantes realizaram seu estágio curricular supervisionado, convivendo com as peculiaridades desta etapa educacional, repleta de desafios, mas também de alegrias diante das descobertas feitas pelas crianças. De acordo com relatos da diretora e das professoras, aos poucos as estagiárias estavam mais ambientadas, assimilando a especificidade da Educação Infantil, que naquele espaço não havia contenção em mesas, o chão era o espaço de descobertas e o pátio, a extensão da sala de referência. Entendiam ainda, que as crianças têm vontades, pensam, discordam ou concordam. Desse modo, também entenderam a importância da relação entre pares e professores nesta etapa.

Conforme relatos das professoras das turmas, as estagiárias foram capazes de compreender estes aspectos, pois sentaram com as crianças no chão, brincaram, cantaram, aconchegaram e acarinharam quando estas choravam. Perdeu-se a conta de quantos papéis foram assumidos no faz de conta com as crianças: médicos, clientes de salão de beleza, construtores e tantos outros. Assim, conquistaram as crianças duplamente: no agora e no amanhã. O agora com a contribuição para as práticas cotidianas e o amanhã como profissionais que entendem que a Educação Infantil é tempo para viver e ser criança e que essa mediação depende essencialmente do professor.

Os profissionais da instituição relataram que houve vários momentos de contato e ambientação entre estagiários e crianças, para então ocorrer a intervenção pedagógica por parte das estudantes. As crianças já esperavam por elas, estavam ansiosas e as estagiárias apreensivas. Embasadas no que conheceram das crianças começaram seu dia de “professora”, organizaram tempos, espaços e materiais (com diversidade, mas também continuidade) e o resultado foi um trabalho significativo para os sujeitos. No fim do dia, quando os pais vinham buscar as crianças ouvia-se nos corredores os seus relatos aos familiares de como “aquelas(es) meninas(os)” tinham sido especiais, que o dia tinha sido muito divertido e que estavam muito felizes.

O estágio possibilitou às professoras do CMEI, por outro lado, se revigorar com a energia da juventude, da esperança, de olhar para o corriqueiro com olhos diferentes, as fez querer fazer diferente. Acerca disso, uma professora com 56 anos de idade relatou que “eles [estagiários] trazem novas ideias e com um olhar diferente do que estamos habituados”; outra profissional de 57 anos afirmou que os estagiários “trazem novas ideias, a criatividade é muito grande [...] e nos traz um sopro de conhecimento e experiências”.

Outra professora relatou, ainda, que receber as estagiárias, com suas ideias e propostas diferentes e estruturadas, permitiu repensar sua própria prática e o quanto o planejamento e a organização das propostas fazem diferença no estímulo ao interesse das crianças. Destaca-se ainda, a possibilidade de trocas de experiências entre os sujeitos, pois uma professora afirmou que “as estagiárias trazem novas propostas, as quais nós ainda não vimos [...], renovando até propostas que conhecíamos, há sempre uma troca de experiências”.

A única questão apontada como negativa pelas professoras, trata-se da estranheza que algumas crianças têm quando chegam pessoas diferentes na sala, o que segundo elas, ocasiona certa agitação e aquelas mais retraídas acabam por chorar no começo. Porém, na visão delas, essa situação também faz parte do processo de socialização dos pequenos. Desse modo, das doze professoras entrevistadas, seis ressaltaram que receber pessoas diferentes em sala deixou as crianças agitadas, devido à mudança de rotina, e duas enfatizaram que a quantidade de estagiários, por vezes, excessiva na sala, foi um fator negativo.

Cabe destacar que a maioria das professoras que trabalham naquele espaço se encontram na faixa etária entre 40 e 60 anos de idade, sendo cinco delas na casa dos 40, três na dos 50 e uma acima de 60 anos, de modo que apenas duas professoras têm de 20 a 30 anos de idade. A maioria tem formação em Pedagogia ou estão cursando, somente uma delas tem exclusivamente o Magistério e duas são pós-graduadas. A maioria apresenta certificação com formação à distância.

Todas as professoras enfatizam em suas falas que aprenderam com os estagiários e que a troca de experiência foi promovida por meio dessa parceria. Ademais, essa vivência também possibilitou aos estagiários a pesquisa, o planejamento, o contato com a realidade da instituição de Educação Infantil e suas especificidades e, juntamente a isso, propiciou relacionar teoria e prática.

Nessas minúcias do estágio, as próprias estagiárias comentaram que esperavam encontrar uma experiência bem diferente, pois no Ensino Fundamental, etapa na qual já haviam estagiado, a relação afetiva parece não ser tão importante. Uma delas, com 17 anos de idade, ressaltou que “o estágio permitiu perceber que ser professor exige sim o estudo de conteúdos ou metodologias, mas exige ainda mais, envolve sentimento, afeição, dedicação a aprender e amor pelas suas escolhas”. Relatou ainda que o estágio permitiu experiências práticas, as quais somadas a outras atividades, como leitura e oficinas, resultaram na construção do conhecimento docente, além de proporcionar a constituição de uma postura profissional. Segundo ela, os profissionais foram bem receptivos e contribuíram com a sua iniciação no meio educacional.

Esse processo permite aos estagiários conhecer aquilo que irão enfrentar na sua profissão e refletir sobre o exercício docente. Desse modo, como Pimenta e Lima (2008) afirmam, o estágio oferta novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão docente, inclusive para os professores formadores.

A equipe pedagógica e a gestora da unidade relataram que, a partir da experiência de estágio, estão elaborando formações para os momentos de hora atividade acerca do trabalho pedagógico na Educação Infantil, a fim de avançar na formação continuada dos profissionais. Para isso, um projeto foi colocado em andamento, visando fomentar o diálogo entre as partes para discutir questões ligadas ao pedagógico e o desafio que este representa, tanto na formação como no cotidiano das instituições de Educação Infantil.

Desse modo, pode-se aferir que o estágio realizado contribuiu não somente para os estagiários cumprirem sua carga horária e experienciarem a docência na referida etapa educacional, mas representou, inclusive, um momento formativo para a instituição que os recebeu. Destarte, é assim que os saberes profissionais vão se constituindo, na troca, na relação, nas experiências compartilhadas. Concordamos com Tardif (2002, p. 39) que, os saberes dos professores são construídos por eles mesmos, adquiridos no exercício de sua profissão, uma vez que tais saberes “brotam da experiência e são por ela validados. Incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação de docentes, conforme a legislação brasileira, pressupõe a associação entre teorias e práticas por meio de estágios supervisionados, os quais são requisitos obrigatórios nos cursos de licenciaturas, visando propiciar experiências concretas nas futuras áreas de atuação do estudante.

A Educação Infantil é um dos campos de habilitação do Magistério (em nível médio) e do curso de Pedagogia (em nível superior). Nesse sentido, este trabalho buscou apontar as contribuições do estágio supervisionado na referida etapa, considerando suas peculiaridades quanto ao seu percurso histórico e à indissociabilidade das ações de cuidar e educar junto a crianças de 0 a 5 anos de idade.

O relato da experiência de estágio supervisionado apresentado permite inferir que a legislação funciona como uma mola propulsora desses momentos tão importantes na formação de um futuro profissional. No entanto, não é a única constatação: os atores envolvidos nesse processo e a forma de sua condução fazem toda a diferença nos resultados e no significado produzido por essa experiência. Em outras palavras, o sucesso do estágio supervisionado, especialmente na Educação Infantil, depende daquilo que os estagiários já trazem de conhecimento na sua formação, depende ainda, da forma como a unidade e seus profissionais os recebem e da disposição que os estudantes apresentam para estabelecer relações com professores e crianças.

O estágio supervisionado, quando bem dirigido, tanto por parte dos profissionais da unidade, como pelos estagiários e coordenadores de ambas as instituições, permite o crescimento de todos os sujeitos envolvidos. As discussões acerca do cotidiano, das práticas, das intencionalidades pedagógicas contribuem para o crescimento profissional e permitem imprimir qualidade nas práticas desenvolvidas, além de promover reflexões acerca da função da Educação Infantil.

Portanto, o estágio supervisionado pode ser visto como um momento formativo, de trocas entre professores e estagiários, além de permitir repensar ações futuras. Nesse sentido, destaca-se a importância da promoção de momentos de diálogos com os envolvidos após a realização do estágio, de modo que possam discutir impressões, ações e o próprio valor da experiência para ambos.

Quando bem vivenciado, o estágio pode promover a maturidade pedagógica de um grupo, o que tende a trazer contribuições para as práticas dos docentes junto às crianças, ou seja, fomentando maior qualidade da ação educativa. Não se trata de tecer críticas às pessoas, mas sim de discutir e problematizar as ações e práticas, fazendo deste um momento reflexivo. Essa é uma das contribuições que vem acompanhada da possibilidade do estagiário experienciar a vivência no campo, aproximando teoria e prática ao vivenciar a realidade e a especificidade do trabalho desenvolvido na Educação Infantil.

Por fim, destaca-se que o estágio supervisionado é muito mais que uma exigência legal dos cursos de formação de professores, já que permite o crescimento profissional de professores, estagiários e coordenadores, além de possibilitar a aproximação de escolas de Educação Básica, instituições de Ensino Superior, escolas de formação de docentes e comunidade. O estágio permite aos envolvidos no processo o desenvolvimento de práticas educativas e reflexivas, desse modo, fomenta a busca de qualidade nas práticas de Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

ALVES, T.; PINTO, J. M. de R. Remuneração e características do trabalho docente no Brasil: um aporte. Cadernos de Pesquisa, n. 143, p. 606-639, maio/ago. 2011.

ANJOS, C. I. dos. Estágio na licenciatura em Pedagogia: arte na Educação Infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil. Acesso em 21 de ago. de 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 53 de 19 de dezembro de 2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm#art1. Acesso em 30 de out. de 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 59 de 11 de novembro de 2009. 2009a. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm. Acesso em 21 de ago. de 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília, 2009b. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf. Acesso em 10 de jul. de 2019.

BRASIL. Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014. Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13005-25-junho-2014-778970-publicacaooriginal-144468-pl.html. Acesso em 21 de ago. de 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 21 de ago. de 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Parecer CNE/CP nº 28 de 02 de outubro de 2001. Dá nova redação ao Parecer CNE/CP 21/2001, que estabelece a duração e a carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/028.pdf Acesso em 25 de jun. de 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB). Parecer CNE/CEB nº 20 de 11 de novembro de 2009. Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. 2009c. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pceb020_09.pdf Acesso em 20 de jun. de 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB). Resolução CNE/CEB nº 2 de 19 de abril de 1999. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal. Disponível em ttp://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb02_99.pdf Acesso em 25 de jun. de 2019.

BRASIL/CNE. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Resolução CNE/CP nº 1 de 15 de maio de 2006. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação de Pedagogia, licenciatura. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf; Acesso em 20 jun. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Básica (CEB). Resolução CNE/CEB nº 5 de 17 de dezembro de 2009. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. 2009d. Disponível em http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf; Acesso em 20 jun. 2019.

BRASIL/CNE. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Resolução CNE/CP nº 2 de 1º de julho de 2015. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Disponível em http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file; Acesso em 02 dez. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base. Acesso em 09 jul.2019.

CATARSI, E. As competências relacionais do professor na escola do acolhimento. In: Diário do Acolhimento na escola da infância. Campinas. Autores Associados. 2013.

CONCEIÇÃO, C. M. C.; BERTONCELI, M. A profissão docente na Educação Infantil: uma análise histórica da constituição de um grupo profissional. Temas & Matizes, Cascavel, v. 11, n. 21, p. 64-84, jul./dez. 2017.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo. Editores Associados. Cortez. 1989.

GAULKE, A. G. A relação professor-aluno-conhecimento na educação infantil: princípios, práticas e reflexões sobre o protagonismo compartilhado. Dissertação (mestrado em Educação). 144f.Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2013. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/70597/000876954.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 05 de jul. de 2019.

KUHLMANN JR., M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.

LIMA, S. M. de; REALI, A. M. de M. R. O papel da formação básica na aprendizagem profissional da docência (aprende-se a ensinar no curso de formação básica?). In: REALI, A. M. M. R.; MIZUKAMI, M. G. N. (orgs.). Formação de professores: Práticas pedagógicas e escola. São Carlos: Ed. UFSCar, 2002, p. 217-235.

MARTINS FILHO, Altino. Minúcias da vida cotidiana no fazer-fazendo da docência na educação infantil. 2013. 306p. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS. Porto Alegre, 2013. Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/72780/000886247.pdf?sequence=1&isAllowed=y> Acesso em 02 dez. 2019.

MORAES, M. C. M. de. Proposições acerca da produção do conhecimento e políticas de formação docente. In: MORAES, M. C. M. de; et al (org.). Iluminismo às avessas: Produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003a, p. 07-20.

MORAES, M. C. M. de Recuo da teoria. In: MORAES, M. C. M. de; et al (org.). Iluminismo às avessas: Produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003b, 151-167.

OLIVEIRA, Z. R. de. Educação Infantil: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2007.

OLIVEIRA, T. G. de. Docência e Educação Infantil: condições de trabalho e profissão docente. 173 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte-MG, 2017. Disponível em https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOSAU9M69/1/dissertacao_tiago_grama.pdf Acesso em 02 dez. 2019.

PIMENTA, S. G. O Estágio na formação do professor: unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez, 2002.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

RINALDI, Carla. Creches e escolas da infância como lugares de cultura. In: Zero Project. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. São Paulo: Ed. Phorte, 2014.

SAVIANI, D. Pedagogia: O espaço da Educação na Universidade. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas): v. 37, n. 130, jan. /abr. 2007, p. 99-134. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n130/06.pdf Acesso em 02 dez. 2019.

SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Ensino superior em tempos de adesão pragmática. In: MORAES, M. C. M. de; et al (org.). Iluminismo às avessas: Produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 129-149.

SILVA, B. R. da. O trabalho docente e o sentido de ser professor no contexto da Educação Infantil. 166 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Goiás. Catalão -GO, 2015. Disponível em https://mestrado_educacao.catalao.ufg.br/up/549/o/O_TRABALHO_DOCENTE_E_O_SENTIDO_DE_SER_PROFESSOR_NO__CONTEXTO_DA_EDUCA%C3%87%C3%83O_INFANTIL.pdf Acesso em 02 dez. 2019.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

STROZZI, Paola. Um dia na escola, um cotidiano extraordinário. In: Zero Project. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. São Paulo: Ed. Phorte, 2014.

ZABALZA, M. A. O estágio e as práticas em contextos profissionais na formação universitária. São Paulo: Cortez Editora, 2015.

Notas

1 A práxis pode ser entendida como articulação entre teoria e prática, considerando que “a prática é a razão de ser da teoria, o que significa que a teoria só se constituiu e se desenvolveu em função da prática que opera, ao mesmo tempo, como seu fundamento, finalidade e critério de verdade” (SAVIANI, 2007, p. 108).
HTML generado a partir de XML-JATS4R por